sexta-feira, 24 de junho de 2016

Sem agências de controle eficazes as leis não pegam.

                Dirigindo meu Ford Falcon 1958 para ir ao cinema com a Silvia em Phoenix, Arizona, virei á esquerda em uma avenida de seis pistas mesmo estando na pista do meio e sem ligar a seta. Não deu outra. Antes de meio quarteirão havia um carro de polícia com as luzes piscando. O policial foi muito gentil e não me multou, depois de ver os passaportes e o documento de estudante da Arizona State University.  Era 1966 e naquela época havia carros de polícia por todo lado, especialmente em cruzamentos movimentados. Como consequência, todos respeitavam ao pé da letra as regras do trânsito. Uma placa vermelha de PARE controlava muito bem o comportamento de parada total do veículo, mesmo sem outros carros nas ruas.

                Lembrei-me desse episódio hoje cedo, dirigindo para ir ao barbeiro. Em uma rua movimentada um caminhão nem diminuiu a velocidade na esquina, como eu faria no Brasil. Aqui é claro que parei e coloquei a primeira marcha antes de continuar, pensando na falta que faz a presença ostensiva do Estado na fiscalização das leis. Em um mês dirigindo por Setauket, Port Jefferson e Stonybrook só vi carros de polícia uma vez, em estacionamento de supermercado onde havia sido deixado um pacote suspeito. Os  americanos não eram cidadãos mais responsáveis do que nós, apenas desenvolveram ao longo de sua história agências de controle eficazes na manutenção das contingências que mantêm práticas culturais.

                Alguns diriam que nos falta autocontrole ético. Todos deveriam obedecer as leis porque isso é bom para a comunidade. Mas o chamado “autocontrole ético” é comportamento, dependente das consequências como todo comportamento. São as agências de controle, descritas por Skinner em “Ciência e Comportamento Humano”, as encarregadas de punir comportamentos considerados indesejáveis pela cultura. Para ver como essa história de punições e ameaças modela nosso “autocontrole ético” ver, além de Skinner, o “Coerção” de Murray Sidman. E pense nisso na próxima vez que você avançar um sinal vermelho de noite e sentir um frio na barriga.



domingo, 12 de junho de 2016

Análise do Comportamento, Ralph Hefferline, Friedrich (Fritz) Perls , e o aqui-e-agora.


                Ralph Hefferline faz parte da história da Análise do Comportamento. Em 1953 publicou em Science um artigo clássico, uma demonstração de que o efeito da contingência operante dispensa a consciência da pessoa sobre as variáveis que afetam seu comportamento:


An invisibly small thumb-twitch increased in rate of occurrence when it served, via electromyographic amplification, to terminate or postpone aversive noise stimulation. Subjects remained ignorant of their behavior and its effect. Their cumulative response curves resembled those obtained in similar work with animals. Other subjects, informed of the effective response, could not produce it deliberately in a size small enough to qualify for reinforcement.”

                Resumindo como um behaviorista, as contingências que prevalecem no aqui-e-agora são mais importantes que qualquer outra explicação para o comportamento que ocorre aqui-e-agora.

                Ralph Hefferline é o mesmo que dois anos antes havia publicado um livro clássico da terapia gestáltica em parceria com Fritz Perls., citado em artigo recente da Revista da Abordagem Gestáltica, abordando as diferentes definições e os usos da expressão  "aqui-e-agora". 

Confesso que primeiro me interessei pelo artigo, quando avisado de sua publicação pela rede Academia, porque uma das autoras trabalhou no IESB antes de ser aprovada em concurso na Universidade Federal do Paraná. Mas como todo comportamento é multideterminado, certamente influenciaram a decisão de ler o conhecimento das afinidades entre AC  e fenomenologia, e as dezenas de conversas com meus amigos gestaltistas, aí incluída a Joannelise Freitas. Além do mais, o trabalho de Hefferline foi uma da atrações que me levaram a começar o doutorado na Arizona State University, com Arthur J. Bachrach como chefe do departamento. Bachrach havia publicado recentemente o livro “Experimental Foundations of Clinical Psychology”, com um capítulo assinado por Hefferline.

                Aqui vai, então, o endereço para quem quiser entender melhor porque nem sempre a contingência presente prevalece sobre experiências anteriores, e porque regras e modelos nem sempre facilitam a vida.
  
“Perls et al. (1997) afirmam que é só no aqui-e-agora que se pode ter consciência das próprias capacidades sensoriais, motoras e intelectuais. E dessa forma, propõem uma terapia que consiste na análise da estrutura interna da experiência concreta, promovendo mais a concentração no padrão de interrupções da pessoa do que no conteúdo próprio da interrupção. Isso significa que o foco na Gestalt-terapia é redirecionado para como a experiência está sendo vivida, relembrada e retida no presente. O aqui-e-agora abrange uma conscientização que vai além das categorias de conteúdo (porque), das abstrações, verbalizações ou relações causais traçadas, para incluir as formas, a relação e a corporeidade que surgem no aqui-e-agora por meio das realidades sensoriais e motoras disponíveis (Costa, 2004; Mesquita, 2011; Perls, 2012; Perls et al., 1997; Polster & Polster, 2001). Perls et al. (1997) destacam a importância da expressão facial, do tom de voz, da sintaxe, da postura, do afeto, da omissão e da consideração ou falta de consideração. Costa (2004) salienta que os gestos, assim como os pensamentos, revelam o si-mesmo que se interrompeu. Polster e Polster (2001) descrevem as expressões simbolizadas na eloquência verbal, no choro, no grito, no soco e na repreensão. A flexibilização daquilo que havia enrijecido no passado é passível de ser revivido então, por meio dos recursos corporais que a pessoa dispõe no momento”. (Renhart, & Freitas, 2016, p. 40).

Renhart, P. A. & Freitas. J. L. (2016). A temporalidade do aqui-e-agora gestáltico: implicações teóricas e práticas. Revista da Abordagem Gestáltica - Phenomenological Studies - XXII(1): 39-48.


·         Perls, Fritz, R. Hefferline, & P. Goodman. [1951] 1977. Gestalt Therapy: Excitement and Growth in the Human Personality. Gestalt Journal Press. ISBN 0939266245.





quarta-feira, 8 de junho de 2016

O Facebook e o comportamento de esquiva.


Na análise experimental do comportamento trabalhamos com uma variável independente de cada vez, mesmo sabendo que todo comportamento é multideterminado. É necessário trabalhar assim para identificar quais variáveis das presentes na situação são importantes. Para verificar se a frequência de apresentação de uma determinada consequência é importante, mantemos constantes o nível de privação (motivação), a duração, a qualidade, o odor, a consistência, e tudo o mais. 

No comportamento de esquiva, por exemplo, podemos dispor condições no laboratório de tal forma que um comportamento venha a pospor (evitar) a transição de uma situação desejável para outra menos desejável, tudo o mais permanecendo constante e independente daquele comportamento. Normalmente não nos ocupamos de outra consequência possível (no laboratório).

No ambiente natural isso não (ou raramente) ocorre. Por exemplo, neste momento estou sendo bem sucedido em pospor a saída do Facebook e a obrigação de trabalhar em minhas obrigações de pesquisador e orientador ao continuar a escrever este texto. O Facebook tem a vantagem de oferecer feedback (99% positivo sempre) imediato, enquanto um artigo publicado significa um longuíssimo atraso de reforço!