quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Controle e contra controle em contingências sociais.


Em artigo no Sunday Review of the New York Times (17 de agosto de 2014) C. Bradatan escreveu sobre a dificuldade que temos de atentar para as circunstâncias que nos afetam:

Sócrates tornou-se um estranho em sua própria cidade, mas não se mudou para outra. Tornou-se “átopos”, que siginificava “fora de lugar”, mas também “perturbador” e “intrigante”. Ser átopos é crucial se você quer ser um filósofo sem meias palavras como era Sócrates. Em cada comunidade há algo que deve ficar sem ser dito, sem nome, incomunicável. E você indica que participa dessa comunidade precisamente porque participa do silencio geral. Revelar tudo, ..., é o trabalho do estrangeiro. Seja porque estranhos não conhecem as regras da cultura local, seja porque não se espera que as respeitem, estrangeiros podem se dar ao luxo de falar à vontade”. (Sunday Review, p. 12).

Ser incapaz de descrever as contingências sociais que governam as regras de convivência na cultura é resultado de ter se tornado humano nessa cultura. Quando o grupo nos ensina o que pode der dito e o que não pode, também nos ensina o que pode ser pensado e o que não pode. O “conhece-te a ti mesmo” do mesmo Sócrates poderia ser reescrito como “para conhecer a ti mesmo conheça primeiro a cultura que te formou”. O papel da Análise do Comportamento é o de nos ajudar a  exercer o contra controle, e para isso é necessário conhecer o que nos controla e como esse controle é exercido, na família, na escola, no trabalho, no clube, na igreja, nos tribunais, nas redes sociais, nos governos.

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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O mentalismo que nos cerca.


                Nos Estados Unidos os eleitores do Partido Democrata são tidos como liberais e os do Partido Republicano como conservadores. No conservadorismo do Partido Republicano cabe uma ala mais extremista, o chamado Tea Party que é contra tudo de novo “que está aí”. No debate atual sobre o aumento na desigualdade de rendimentos no país alguém dessa direita saiu-se com esta pérola: “Se alguém desejar ser pobre ele pode ser; se desejar ser rico ele também pode ser”.  Você é o que desejou ser! Vá ser mentalista assim lá no Alaska (ou no Hawai, que é mais longe).
                Nicholas Kristof, do NY Times, não foi nem ao Alaska, nem ao Hawai, mas já em Oregon, no noroeste dos Estados Unidos, testemunhou essa atitude em Yamhill, sua cidade natal. Pessoas que fizeram algum sucesso na vida acham que devem isso apenas a seu esforço pessoal e sua inteligência, sem considerar que vieram de famílias que os criaram com todo carinho e conforto, liam livros para eles, levavam a praticar esportes coletivos, ensinaram a frequentar bibliotecas e a apreciar música. Segundo o jornalista, “eles foram programados para fazer sucesso na vida desde que eram zigotos”. Já adultos, bem sucedidos, olham para os pobres e miseráveis sem considerar suas circunstâncias e atribuem esse destino a falta de esforço.
                Esse tipo de explicação para desigualdades econômicas, sociais, e/ou culturais existe por todo lado, inclusive no Brasil. Um exemplo disso costuma acompanhar conversas sobre programas compensatórios como o Bolsa Família, originário do Bolsa Escola (Brasilia e Campinas), logo um programa de muitos partidos, alguns adversários. Dizem que o programa dá o peixe quando deveria ensinar o cidadão a pescar. Bom, como diziam os antigos, devagar com o andor. Esmolas, como já cantava Luiz Gonzaga, ou matam de vergonha ou viciam o cidadão. Mas há os casos de miséria tão completa que sem uma ajuda continuada a família não se sustenta. Quando se exige contrapartida, como manter as crianças na escola, vacinar os bebês, frequentar cursos para aumentar a empregabilidade, o dinheiro recebido  não pode ser considerado esmola, não envergonha, ainda que possa viciar a cidadã.

No lugar de dizer que quem recebe o Bolsa Família é vagabundo, tão vagabundo que não deseja trabalhar, melhor seria garantir, via mobilização do povo, que o programa seja fiscalizado adequadamente.