quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O complexo de vira-latas como ele é.

 Frases de Nelson Rodrigues em crônica no jornal O Globo, nos anos 50, antes da seleção embarcar para jogar na Suécia:

“Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.

“Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.

“O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender.”

Reescrevendo Nelson Rodrigues:

O problema do Brasil não é de trabalho, nem de técnica, nem de competência. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.

“Complexo de vira-latas” explica muita coisa. Devemos essa descoberta ao Nelson Rodrigues, de “A vida como ela é”, entre outras obras. O complexo de vira-latas teria ido para o espaço com a conquista da Copa do Mundo de 1958, com os 50 anos em cinco, do Presidente Juscelino, a industrialização do país, e por aí vai. Mas o cronista Nelson Rodrigues teria muito assunto  nos dias de hoje (especialmente depois dos 7 a 1 da Alemanha). Sempre que ponho no meu blog ou no Facebook algum exemplo de modificação em larga escala de práticas culturais alguém escreve que no Brasil não daria certo. 
Preservar o meio ambiente? “Não vai dar certo no Brasil”. 
Controlar a venda e o porte de armas? “Não vai dar certo no Brasil”. 
Diminuir a desigualdade econômica? “Não vai dar certo no Brasil”. 
Diminuir gastos com saúde aumentando impostos sobre bebidas e cigarros? “Não vai dar certo no Brasil”. 
Programas governamentais visando mudanças rápidas em práticas culturais para combater o mosquito da dengue? “Não vai dar certo no Brasil”. 
Planejar pensando no longo prazo e construir rodoaneis e anéis ferroviários nas metrópoles como São Paulo? “Não vai dar certo no Brasil”. 
Garantir que as agências que fiscalizam as barragens façam isso? “Não vai dar certo no Brasil”. 
Garantir que as leis sejam obedecidas pelos governos? “Não vai dar certo no Brasil”.

O futuro sempre depende de nossa confiança. Como alguém vai investir no futuro quando ninguém acha que alguma coisa vai dar certo no Brasil? Sem acreditar nas promessas dos políticos de qualquer coloração, o povo, apático, trata apenas de seu dia-a-dia: credibilidade depende da experiência e nossa história recente é deprimente.
Não dá para acreditar no planejamento do governo, muito do orçamento aprovado é wishful thinking. Não se leva a sério precisão e controle, fator básico nas ciências naturais, mas quase nunca presente nas ciências humanas, mais dedicadas a explicar do que prever. Evitar, garantir e prevenir dependem de prever e controlar.

O povo vai começar a se levar a sério quando começar a ser levado a sério por seus governos.


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terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Discurso na cerimônia de outorga do título de Doutor Honoris Causa do Centro Universitário IESB.



Magnífica Reitora do Centro Universitário IESB, Professora Eda Machado, demais componentes da mesa, autoridades presentes, senhoras e senhores,

É com muita satisfação que recebo o título de Doutor Honoris Causa do IESB. Agradeço a homenagem, e gostaria de reparti-la com os professores que me formaram, com os alunos que me ensinaram, e com todos os colegas com os quais convivi, seja como aluno, como professor, como pesquisador, ou como administrador.

Nós fazemos nossas escolhas e depois nossas escolhas nos fazem. Muitas vezes não escolhemos o que escolher, alguém dispõe as alternativas e as oportunidades. As minhas certamente foram dispostas quando meus pais me matricularam no jardim da infância de Santo Anastácio, Estado de São Paulo e alguém decidiu que eu era bom em matemática, logo seria engenheiro. Esse futuro traçado pela família só se alterou na adolescência, quando o contato com aulas de filosofia me ofereceu a alternativa para a engenharia: psicologia. A partir daí devo agradecer a muitos que abriram perspectivas, novas escolhas e sucessivas novas perspectivas. Dentre esses muitos sobressaem Carolina Bori e Fred Keller.

Cada escolha também envolve perda. No meu caso, trocar a engenharia pela psicologia, e a clínica pela pesquisa, certamente me levaram a perder oportunidades, que permanecerão devidamente desconhecidas. Por outro lado, o contato com pesquisa básica em psicologia experimental me fez descobrir o prazer de descobrir e de ensinar a investigar -  e me levou a decidir pela carreira acadêmica em dedicação exclusiva. Depois de aposentado da Universidade de Brasília o IESB me ofereceu outra oportunidade, a de, começando com um esboço de currículo já preparado, planejar, implantar e coordenar um curso de psicologia moderno e de qualidade.

Foi uma experiência instigante, desafiadora, e altamente satisfatória. Devo esse prazer ao convite feito por duas pessoas que já conhecia de outras circunstâncias, a Reitora Eda Machado na UnB e o Prof. Edson Machado, no MEC.

Mas quero aproveitar esta ocasião especial para agradecer de público um apoio inestimável ao longo de minha carreira: Maria Silvia Ribeiro Todorov, minha mulher. E também aos nossos dois filhos, Julia e Francisco, por terem relevado minhas ausências. 

Sílvia, Júlia e Francisco merecem boa parte deste título.


sábado, 21 de novembro de 2015

Organismo, comportamento e ambiente..



Comportamento é daquelas palavras que todos usam, mas ninguém sabe bem o que é. Como ninguém pergunta, cada um usa como quer e acha que todos estão usando a palavra com a mesma definição (a sua, que não existe explicitada).  Entretanto, isso não é nenhum demérito para a psicologia, 
comportamental ou não. Acontece o mesmo com termos como reflexo e consciência, usados nos mais variados sentidos na biologia e na psicologia, muitas vezes sem mesmo tentativas de definição.

Dia a lenda que um famoso pesquisador do comportamento animal foi perguntado sobre o que era comportamento e que teria respondido; “Ora, comportamento todo mundo sabe o que é”.

Em 2012 escrevi um artigo despretensioso na revista “Perspectivas em Análise do Comportamento” intitulado “Sobre uma definição de comportamento”. Despretensioso porque não estava oferecendo qualquer definição do termo. Só argumentei que a definição de comportamento como interação organismo-ambiente era diferente da definição implícita no uso que os mesmos autores faziam do termo:

Uma resposta enganosa e tentadoramente simples é dizer que comportamento é a interação entre organismo e ambiente. ...  Organismos não vivem no vácuo. Não é possível ocorrer qualquer ação do organismo sem alguma relação com o ambiente, externo ou interno ao organismo. Isso é elementar. Por isso, dizemos que comportamento não é coisa; é processo. Qualquer instância de comportamento tem início, meio e fim. Para a psicologia, essa é sempre a nossa variável dependente, independentemente da topografia ou do tipo de relação com o ambiente que definem essa variável dependente (e.g., respondentes e afins, operantes, padrões fixos de resposta, etc.). Variáveis independentes são variações no ambiente que afetam a ocorrência desses comportamentos, seja como antecedentes (no respondente e afins) ou consequentes (no operante e afins). ”

A reação a esse artigo foi maior que o esperado. Nos dois números de 2013 da Revista Brasileira de Análise do Comportamento estão vários artigos que discutem esse assunto. No link abaixo está um desses artigos, parceria com Marcelo Borges Henriques.

De qualquer forma, o assunto é muito atual. Depois do número especial de 2013 da revista The Behavior Analyst, o segundo número do volume 38, de 2015, que acaba de ser publicado, traz artigo de Linda Hayes e Mitch Fryling, traz o artigo "A historical perspective on the future of behavior science", com, entre muitos outros assuntos, o seguinte:

"Oddly enough, aftter a hundred years of asking the question "What is behavior?", the answer remains the subject of debate."


http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/rebac/article/view/2133/2436

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O que é autocontrole?

Autocontrole não é conceito nem termo técnico da Análise do Comportamento. Skinner escreveu sobre autocontrole, assim como escreveu sobre id, ego, superego, masoquismo, desejo, sublimação, etc., e nenhum deles é termo técnico da Análise do Comportamento. São termos da linguagem comum, ainda que propostos por outras abordagens da psicologia, e encontram-se definidos em qualquer dicionário. Na análise que faz desses termos Skinner os desmistifica.

“The individual often comes to control part of his own behavior when a response has conflicting consequences – when it leads to both positive and negative consequences”.

… “The positive and negative consequences generate two responses which are related to each other in a special way: one response, the controlling response, affects variables in such a way as to change the probability of the other, the controlled response”.
B. F. Skinner, Science and Human Behavior, 1953, p. 230-231.

Episódios explicados pela atuação de uma força interior hipotetizada são reinterpretados como demonstração da possibilidade de um comportamento controlar outro comportamento. Esses episódios costumam acontecer quando um comportamento pode ser ao mesmo tempo reforçado e punido, levando a um equilíbrio na probabilidade desse comportamento ocorrer ou não ocorrer. É possível diminuir a probabilidade de emissão de uma resposta punida manipulando-se algumas variáveis que tornam esse comportamento provável.  Skinner não inventou qualquer conceito novo para explicar isso. Vejamos um exemplo:

                Ao preparar uma lista de compras posso controlar meu comportamento de consumidor no supermercado. A resposta controladora é preparar uma lista, a resposta controlada é comprar. Note-se que preparar a lista não impede que eu compre algo que não devia, só diminui essa probabilidade.  Assim como eu controlo agora meu comportamento posterior no supermercado. a lista poderia ser preparada por outra pessoa, com o mesmo resultado. O controle é o mesmo, nos dois casos. Mas no primeiro o leigo diria que é uma demonstração de autocontrole. Mas nos casos o fator importante é a manipulação da variável independente, não importando o agente.

                Mais citado como exemplo de autocontrole na Análise do Comportamento, o procedimento desenvolvido por Rachlin foge à definição de Skinner, mas está de acordo com o entendimento do leigo. Trata-se de escolher entre um reforço mais imediato, mas de menor magnitude, e um reforço menos imediato (ou mais atrasado) mas de maior magnitude. A escolha “racional” seria esperar mais e ganhar mais, a escolha “impulsiva” seria preferir o reforço de menor magnitude. Mas não há resposta controladora, nem resposta controlada: não há “autocontrole” nem no sentido usado por Skinner. A escolha de uma ou de outra depende apenas dos valores relativos dos atrasos e das magnitudes, e pode ser prevista por uma equação que caracteriza a Lei da Igualação de Herrnstein, generalizada por Baum para mais de uma variável independente.
               

http://www.scielo.br/pdf/ptp/v18n3/a14v18n3.pdf

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Modelos experimentais de interações comportamento-ambiente: ansiedade, psicopatologia, autocontrole, etc.


                Analisar experimentalmente qualquer interação significa isolar para observação em laboratório essa interação (se possível), mantendo constantes variáveis potencialmente importantes, para identificar quais alterações possíveis naquele ambiente são importantes componentes da interação. Um modelo experimental clássico é o usado por W. K. Estes e B. F. Skinner, publicado em 1941 no Journal of Experimental Psychology:  “Some quantitative properties of anxiety”. Ratos trabalhavam em esquema de reforço positivo intermitente, mas de vez em quando um som era ligado segundos antes de um choque inevitável nas patas. No comportamento humano, ansiedade é um termo usado para descrever o comportamento em situações que sinalizam estímulos aversivos inevitáveis, mas isso não esgota o significado do termo quando aplicado a humanos. Seria mais adequado evitar o rótulo “modelo experimental de ansiedade” para o procedimento de Estes e Skinner. O procedimento estuda efeitos de estímulos associados a estimulação aversiva inevitável sobre o comportamento operante. E só. Daí para a frente entra a teoria e as interpretações que podem ser feitas, a partir de dados experimentais, observações na clínica, no ambiente natural, etc. como fez Ferster com a depressão (Ferster, 1973; veja abaixo link para o artigo).

Um problema nesta relação laboratório-clínica reside na ausência de clareza na comunicação. Muitas vezes usamos o mesmo nome para designar eventos ou processos diferentes. Em trabalho que deve ser publicado ainda este ano um conjunto de autores procura diminuir a confusão reconhecendo as diferenças entre conteúdo, processo e procedimento. Falamos de ansiedade como conteúdo quando descrevemos queixas de uma pessoa, falamos como processo quando interpretamos as observações à luz da teoria, e falamos como procedimento quando preparamos um ambiente experimental para estudar o papel de diversas possíveis variáveis importantes nesse processo.

Uma curiosidade: Ex-aluno de Skinner, Estes veio a ser um dos expoentes da Psicologia Cognitiva. 










Estes, W. K., & Skinner, B. F. (1941). Some quantitative properties of anxiety. Journal of Experimental Psychology, 29(5), 390.
Ferster, C. B. (1973). A functional analysis of depression. American Psychologist, 28(10), 857-870.


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Impulsividade e autocontrole como casos particulares da Lei da Igualação (Matching Law).



            Os gráficos abaixo são da segunda edição do livro “Learning”, 1984, de A. C. Catania, páginas 188-189 (do experimento de Rachlin e Green, 1972). A preferência pelo reforço menos atrasado e de menor magnitude (“impulsividade”) desaparece quando esse tempo do atraso para as duas alternativas é igualmente aumentado. O assunto é tratado como um modelo experimental de impulsividade e autocontrole, sem referência à equação generalizada de igualação (matching), aplicada a situações como essa, de decisões, escolhas e preferências. Mas há um senão, porém.
           
Ocorre que atraso é a recíproca de frequência. Em um esquema de reforço de intervalo variável de 1 minuto (VI 60s) cada resposta é reforçada em média a cada 60 segundos (1 R/60s). Logo, podemos dizer que o intervalo médio entre respostas reforçadas é equivalente a um atraso de 60 segundos (60s/R).
......
                        R1/R2 = k (F1/F2)a (M1/M2)b                (Baum, 1974)

onde R se refere à medida de comportamento, F à frequência do reforço, e M à sua magnitude. Os números identificam as alternativas, e as letras a sensibilidade do comportamento aos parâmetros do reforço.

            Se F for a recíproca do atraso nos experimentos de impulsividade, os dados de Todorov (1973) e de Todorov, Hanna e Bittencourt de Sá (1984, 1986) preveem que a preferência pelo reforço de menor magnitude diminui quando a diferença entre os atrasos diminui. Os expoentes encontrados para frequência (a) estão próximos de 1, e para magnitude (b) próximos de 0.5.
           

Seria mais razoável dizer que o modelo de Rachlin para autocontrole (Hanna & Todorov, 2002) é um caso particular da Lei da Igualação (Matching Law, Herrnstein, 1970).  


Baum, W. M. (1974). On two types of deviation from the matching law: Bias and undermatching. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 22, 231-242.
Catania, A. C. (1984). Learning. 2nd Edition. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.        
Hanna, E. S. & Todorov, J. C. (2002). Modelos de Autocontrole na Análise Experimental do Comportamento: Utilidade e Crítica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18(3), 337-343.
Herrnstein, R. J. (1970). On the law of effect. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 13, 243-266.
Rachlin, H. C., & Green, L. (1972). Commitment, choice and self-control. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 17, 15-22.

Todorov, J. C. (1973). Interaction of frequency and magnitude of reinforcement on concurrent performances. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 19, 451-458.
Todorov, J. C. (1991). Trinta anos de matching law: evolução na quantificação da lei do efeito. Anais da XXI Reunião Anual de Psicologia, 300-314.
Todorov, J. C. (2012). Quantificação da lei do efeito: o pressuposto da relatividade.   Em J. C. Todorov (Org.), A psicologia como estudo de interações. Brasília: Instituto Walden4, 2012.
Todorov, J. C., Hanna, E. S., & Bittencourt de Sá, M. C. N. (1984). Frequency versus magnitude of reinforcement: new data with a different procedure. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 41, 157-167.

Todorov, J. C., Hanna, E. S., & Bittencourt de Sá, M. C. N. (1986). Sensibilidade do comportamento à magnitude de reforços: efeito do número de condições experimentais com sessão longa. Psicologia. Teoria e Pesquisa, 2, 226-232.

domingo, 11 de outubro de 2015

Prefácio de Elenice Hanna para "A Psicologia como o Estudo de Interações".


Os textos compilados neste livro ilustram parte da grande contribuição que João Claudio Todorov tem dado à psicologia, e por suas publicações em português, à psicologia no Brasil. A sua primeira grande contribuição, ainda como aluno, foi traduzir em 1964/1965, junto com Rodolpho Azzi, o livro Ciência e Comportamento Humano de B. F. Skinner (publicação original datada de 1953, tradução publicada em 1967 pela Editora Universidade de Brasília). Como grande divulgador da análise do comportamento no Brasil, professor e pesquisador de renome internacional, João Claudio Todorov é um dos autores brasileiros mais citados e lidos nos cursos de psicologia.

A maior parte do livro Psicologia Como Estudo de Interações foi escrita no final da década de 80 como material didático que comporia um livro didático. O material acabou sendo publicado como artigos em diferentes periódicos, mas a ideia do livro foi retomada quando uma aluna de destaque de Todorov da Universidade de Brasília (Maísa Moreira) se prontificou a digitar vários dos capítulos. Em 2008 a ideia do livro foi retomada, agora com a ajuda de Márcio Borges Moreira, ex-aluno e então colega de trabalho de Todorov no Instituto de Educação Superior de Brasília - IESB, que revisou e organizou o material já digitado com auxílio da aluna Ana Claudia Peixoto Leal. O convite do Márcio à Todorov para publicar o livro pelo Instituto Walden4, atualmente uma fonte importante de material didático em análise do comportamento, foi aceito prontamente.

O título do livro Psicologia Como Estudo de Interações não poderia ser mais abrangente e, além de fazer jus à abrangência das publicações do autor que vai “da Aplysia à Constituição”, marca um dos mais impactantes artigos escritos pelo autor. Ainda me lembro da primeira vez que li este artigo (Capítulo 1), ainda como aluna de graduação da Universidade de Brasília, realizando pesquisas com o professor Todorov no Laboratório de Análise Experimental do Comportamento. O artigo, ainda em forma de manuscrito datilografado, deixou a mim e aos meus colegas impressionados com a forma como o texto consegue, não apenas mostrar a proposta da análise do comportamento de ter como objeto de estudo as interações, mas de integrar a psicologia em torno dessa visão. Apesar de sua primeira publicação datar de 1989, o texto continua atual e é parte das referências de programas de disciplinas de bons cursos de psicologia. O vídeo do eBook (www.walden4.com.br/pww4) com a entrevista do autor, além de complementar as informações sobre os assuntos tratados no texto, relata a metodologia de ensino baseada na análise do comportamento, que foi implantada no IESB na época em que Todorov era coordenador do curso de graduação. O papel do professor no Sistema Personalizado de Instrução (PSI), como salienta o autor, é de gerenciar o sistema de aprendizagem e não de apresentar oralmente a matéria, o que garante o papel ativo do aluno no processo de aprendizagem. Nessa proposta, o cuidado com a preparação do material didático é muito importante, pois é a partir dele que a motivação, compreensão, curiosidade e questões de interesse devem surgir. Quem teve o privilégio de ser aluno do Prof. Todorov sabe que ele realmente cria contingências para o aluno ser ativo no processo de aprendizagem.

A clareza conceitual do grande mestre e sua vasta experiência como pesquisador permeia toda a sua produção, inclusive a selecionada para este livro. Cinco capítulos são contribuições do autor sobre a linguagem e os conceitos da análise do comportamento. O segundo capítulo Behaviorismo e Análise Experimental do Comportamento é leitura essencial para compreender e diferenciar termos básicos e conceitos da análise do comportamento e psicologia comportamental, bem como seus pressupostos. Publicado em 1982, o artigo complementa o anterior ao esclarecer a filosofia behaviorista e a proposta da análise do comportamento.


O conceito de contingência, detalhado no terceiro capítulo, é básico, mas difícil de ser compreendido para iniciantes do curso de psicologia. A explicação do conceito, citando os vários tipos e pesquisas que utilizam diferentes contingências, mostra a sua abrangência e aumenta a possibilidade do leitor compreender a importância e utilidade do conceito tanto como instrumento de análise quanto como variável independente. Todorov amplia o uso do termo, que é utilizado por Skinner no contexto de condicionamento operante apenas. Este é um texto que deve ser relido em momentos diferentes do curso por aqueles que se interessam pela análise do comportamento e por pesquisa. O autor discorre, no capítulo quatro, sobre a evolução do conceito de operante desde a década de 30, como uma definição negativa a partir do que não é reflexo, até o uso mais aceito ainda hoje baseado nos três termos da contingência tríplice. A contingência tríplice, por ser considerada a unidade principal de análise na Analise do Comportamento, mereceu um texto específico. Esse capítulo é um dos que mais aprecio pela clareza como coloca os conceitos, pela forma como coloca a noção de multideterminação do comportamento, por tratar da relatividade da função dos eventos ambientais e do conceito de contexto. O Capítulo 6 (Da Aplysia à constituição: evolução de conceitos da análise do comportamento) reapresenta a evolução dos conceitos de respondente e operante, mas esse texto é apresentado de maneira diferenciada dos acima e o torna especialmente interessante: Todorov menciona fatos da história de vida e formação de Skinner para se compreender as propostas de mudanças conceituais e claramente estrutura o texto para que a visão do comportamento como produto de três níveis de seleção seja compreendida. Nesse texto, pela primeira vez, o autor passa a mudar seu olhar com maior direção para a seleção cultural. Importante mencionar, entretanto, que a visão global sobre as influências do comportamento está presente em muitas apresentações e atuações de Todorov em diferentes contextos sociais (Sociedades Científicas, Conselho de Psicologia, para citar alguns), mas a ênfase da seleção cultural na sua produção escrita é mais recente. 

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Contingências de reforço não geram robôs: múltiplas influências garantem variabilidade.


                A cultura na qual a pessoa nasce se compõe de todas as variáveis que a afetam e que são controladas por outras pessoas, escreveu Skinner em “Ciência e Comportamento Humano”. A cultura, nesse sentido, é enormemente complexa e extraordinariamente poderosa. Mas não gera robôs. Além de cada pessoa ser geneticamente única, a variabilidade é garantida por múltiplas contingências em diversas situações, muitas vezes em conflito. Skinner cita o exemplo da criança que é filha de imigrantes e que convive com regras diferentes em casa e no grupo de amigos. As várias agências de controle, como família, escola, governo, por exemplo, cada uma delas controlada por diferentes variáveis, podem estar em conflito – e frequentemente estão. As relações condicionais ensinadas pelo grupo religioso que frequenta podem estar em conflito com as contingências em vigor na escola. E estas podem ser menos exigentes que as que vigoram no trabalho.
                Mas então o que significa dizer que a natureza humana é a mesma no mundo todo? A posição behaviorista explicitada por Skinner afirma que os processos comportamentais são os mesmos, ainda que as práticas culturais variem. As variáveis independentes são as mesmas, o que varia são as contingências sociais que prevalecem nas várias culturas. O capítulo 27 de “Ciência e Comportamento Humano” é dedicado ao tema Cultura e Controle, mostrando como diferentes ambientes, diferentes heranças genéticas, diferentes conjuntos de relações condicionais, levam ao desenvolvimento de cada pessoa como um indivíduo único.


http://jctodorov.blogspot.com.br/2015/08/contexto-e-multideterminacao-do.html


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Um longo diálogo sobre o estudo do desenvolvimento no behaviorismo.



21 de novembro de 2011.
Prezado Todorov,
Como você está? Espero que bem.
As poucas vezes que conversamos sobre desenvolvimento, estrutura e função foram suficientes para me fazerem pensar durante muitos meses. Enquanto eu escrevia a qualificação do meu mestrado, frequentemente falava comigo mesmo “Ah, acho que agora eu entendi o que o Todorov quis dizer”.
Não sei se minhas ideias sobre estrutura estão de acordo com as suas, mas gostaria imensamente de ouvir a sua opinião sobre o texto que eu fiz. Acredito que o tópico 3.1 do Capítulo 2 seja o que mais tenha o tom das nossas conversas nos tempos de primeira JAC. Envio o texto da minha qualificação em anexo. O título é “O estudo do desenvolvimento no Behaviorismo Radical: aspectos estruturais e funcionais”.
Um abraço,
Tauane

22 de novembro de 2011.
Cara Tauane,

Muito obrigado. Ainda vou ler o seu texto e depois comento. Já estava quase desistindo de falar no assunto. Abraços a você, Tatu, Carol & Cia.

JC Todorov

28 de novembro de 2011

Tauane,

Obrigado por me enviar o manuscrito. Excelente trabalho no levantamento das definições dos termos. Há um porém: não há a essência de cada termo. A definição de um termo só têm sentido na linguagem teórica que o usa. Entretanto, é interessante a busca de significados que podem ser úteis à análise do comportamento.

Eu gostei da posição de Harzem & Miles (1978) e continuo a dizer até hoje que a psicologia é o estudo de interações, que são processos. Processos têm início, meio e fim (ou recomeço). Comportamentos operantes interagem com o ambiente, por isso não faz sentido falar em interação organismo-ambiente. Por iiso tudo não entendi a frase abaixo:

“o comportamento como estrutura: ele é formado por elementos chamados de estímulos e de respostas e esses elementos estão em relação.”

Se essa é sua definição de comportamentoi, não estamos falando a mesma lingua.

Espero não ter complicado.

Mais uma vez parabéns. Ainda vamos conversar muito sobre isso.

JC Todorov


28 de novembro de 201.

Todorov,
Muito obrigada pela resposta!
Há muita coisa para pensar. Durante toda a minha formação, aprendi que comportamento é a interação entre organismo e ambiente (com os mais diversos professores). Uso isso quase como uma regra. Vou ler o texto de Harzem e Miles e reler o seu texto sobre a psicologia como estudo de interações.
Nesses meses todos, ouvi a opinião de muitas pessoas sobre estrutura e todas elas me cobravam uma definição precisa do que seja o estudo dos aspectos estruturais. Acabei caindo em uma disciplina de avaliação de projetos dada pelo Figueiredo. Por sugestão dele, busquei todos os estruturalismos possíveis e um denominador comum a eles. Contudo, percebo que caí no equívoco de adaptar o estudo do Behaviorismo Radical a esse denominador comum, excluindo o papel da linguagem teórica. A verdade é que ainda não encontrei um significado claro dentro da análise do comportamento.
Quando eu tiver pensado mais sobre o assunto, escrevo.
Muito obrigada mesmo pela disponibilidade de ler!
Abraço,
Tauane

Caro Todorov,
Acabo de ler o seu texto sobre a psicologia como estudo das interações. Veja se agora estamos falando a mesma coisa: segundo o texto, comportamento não é a interação entre organismo e ambiente, mas sim mudanças que ocorrem no organismo. O comportamento interage com o ambiente, ocorrendo a depender do contexto e, ao mesmo tempo, alterando o contexto quando ocorre. Quando falamos em resposta e em estímulo, estamos nos referindo, respectivamente, a uma parte do comportamento e a uma parte do ambiente. É isso?
Caso concordemos até aqui, resta ainda pensarmos no significado de estrutura para a Análise do Comportamento. Se nós determinamos os princípios comportamentais a partir de relações funcionais entre estímulos e respostas específicas, o papel da análise estrutural pode ser o de definir para quais  respostas e estímulos o princípio ocorre. Contudo, isso deve ser feito sem que nos esqueçamos de que a alteração nos elementos (S ou R) alterará o todo (contexto ou comportamento). Nesse caso, a estrutura analisada seria o comportamento e o contexto. A análise estrutural determinaria com quais respostas e estímulos (pertencentes a essas estruturas) as relações funcionais devem ser planejadas de forma que o princípio comportamental alvo ocorra. O que acha?
Pensemos no desenvolvimento do comportamento de leitura, por exemplo. Deve-se definir antecedentes e consequências para determinadas respostas (aspectos funcionais), mas também podemos definir quais seriam as respostas e estímulos mais eficazes para que a relação seja estabelecida (aspectos estruturais). Ao se reforçar determinada resposta, todo o comportamento que a acompanha será também alterado. Dessa forma, o desenvolvimento da leitura envolveria uma mudança constante na estrutura do comportamento, na escolha da resposta alvo; na estrutura do contexto e na escolha do estímulo alvo. A descrição da sequência de interações entre comportamento e ambiente a partir das mudanças constantes nas estruturas do comportamento e do ambiente e das mudanças na escolha da resposta e do estímulo mais eficazes a cada momento seria uma descrição desenvolvimentista. É a isso que você se refere?
Fiquei pensando que a escolha de quais são os estímulos mais relevantes pode ser realizada com auxílio dos testes psicofísicos ou mesmo testes neuropsicológicos. Eles podem informar para quais estímulos há sensibilidade em determinado momento da vida de um indivíduo, de forma que possamos planejar o contexto manipulando esses estímulos. Por outro lado, estudar a resposta também é importante: um estímulo só será reforçador em uma relação a depender do aspecto comportamental que escolhemos como resposta.
Não posso deixar de pensar que isso tudo depende também de algo que podemos chamar de “estrutura do organismo”, ou seja, de limites ou facilidades que a configuração orgânica impõe sobre a aprendizagem de um comportamento.
Abraços,
Tauane

29 de novembro de 2011.
Tauane,

Com relação ao primeiro parágrafo - É isso mesmo.

Segundo parágrafo - Falar genéricamente em estímulo e resposta pode confundir. Você está falando de operantes, certo? Então acho melhor falar em antecedente ou situação, comportamento e consequência. É difícil pensar em um operante que não seja discriminado. Quando penso em estrutura penso também em repertório. Por vezes não se pode ensinar alguma coisa ou por falta de repertório ou por falta de amadurecimento biológico.

Terceiuro parágrafo - De novo o perigo de falar em S-R. Mas a idéia em geral é essa.

Quarto parágrafo - Outra vez  S-R. Parece um viés para respondentes!

Último parágrafo - É isso mesmo. Não há com o fugir das limitações biológicas impostas por idade ou pela espécie sob estudo.

Espero ter comentado todos os aspectos. Bom trabalho!

JC Todorov

Caro Todorov,
Mais uma vez, obrigada por sua resposta! Quando me referi a estímulo e resposta, pensei mesmo em operante. Preciso reformular o que escrevi.
No dia 13 de dezembro será a banca de qualificação. Nesse dia, eu explicarei que, em decorrência da sua leitura do manuscrito e de nossas discussões, alguns ajustes foram feitos na noção de comportamento e na de análise estrutural. A questão do repertório, mencionada no seu e-mail, será incluída.
Ontem passei a noite lendo e pensando sobre a definição de comportamento. Hoje contei a meus colegas/professores da USP sobre as coisas que li e sobre as suas colocações. Isso rendeu ótimos debates e as pessoas começaram a se questionar sobre a definição de comportamento como interação organismo-ambiente.
A Tatu disse que você não poderá participar da banca, pois estará com seus netos em casa. O motivo é perfeitamente compreensível. Após a qualificação, pretendo reescrever o artigo sobre estrutura. Mandarei assim que estiver pronto. No mais, por favor, se cuide e aproveite muito os seus netos!
Abraço,
Tauane

30 de novembro de 2011.
Cara Tauane,

Lembrei-me que artigo de 1989 (reimpresso sem modificação em 2007) eu ainda falava em interação organismo-ambiente. Custou um pouco para perceber que o organismo não interage holisticamente com o ambiente (pelo menos para a anáilise do comportamento). Em artigo mais recente, em parceria com Márcio Borges Moreira, há uma posição mais recente. O artigo vai anexo, junto com outro em que pretendia mostrar a amplitude de atuação da AC. Há um terceiro, sobre a evolução do conceito de operante.

Boa sorte na qualuificação. Mande notícias.

JC Todorov


Todorov,
Li os textos que você me enviou. Obrigada por eles. 
No artigo de 1989, eu havia mesmo entendido que a psicologia é caracterizada pelo estudo das interações entre organismo e ambiente. Contudo, já em 1989, sua definição de comportamento parece diferir daquela que o caracteriza como a interação entre organismo e ambiente.
Lendo os textos enviados no último e-mail, a questão central que define sua posição me pareceu outra: a noção de causalidade. As psicologias que estudam a interação organismo e ambiente buscam explicações dentro do corpo – por exemplo, estudam quais processos fisiológicos “dão origem” ao comportamento, como se os processos fisiológicos não fossem, em si, comportamento. A análise do comportamento, por outro lado, analisa a interação entre comportamento e ambiente, porque (1) os eventos internos também podem ser entendidos por nós como comportamento e/ou ambiente (incluindo aqui os aspectos fisiológicos); e (2) a compreensão do fenômeno é procurada no ambiente. Ou seja, não estudamos nada que não possa ser reduzido a comportamento ou ambiente.
É isso? Eu entendi corretamente sua posição sobre não estudarmos a interação entre organismo e ambiente, mas sim entre comportamento e ambiente?
Se entendi, confesso ter alguns incômodos. Por exemplo, quando estudamos como a maturação orgânica – predominantemente determinada por aspectos filogenéticos – influencia a aprendizagem, estamos falando apenas da interação entre comportamento e ambiente? Fiquei pensando se o motivo de não olharmos para o organismo é porque ele tende a ser uma variável estável, ou suas alterações podem ser encontradas na história de interações entre comportamento e ambiente. Mas quando olhar para essa história não explica tudo, como no caso da maturação biológica, não estudamos também o organismo?
Tauane

Todorov,
Esqueça o e-mail anterior que enviei. Precisei de algumas horas para entender que, embora não estudemos diretamente a interação entre organismo e ambiente, isso não significa que o organismo é jogado fora. Significa apenas que é o comportamento (e não o organismo) que interage com o ambiente.
Precisarei de mais tempo pra pensar sobre isso. Por essa definição de comportamento, não sei mais se as coisas que eu chamava de "aprendizagem intra-uterina" são de fato aprendizagens de comportamento ou se são apenas experiência que alteraram o organismo, alterando o valor de estímulos.
Abraços,
Tauane



02 de dezembro
Tauane,

Que bom que você repensou. Agora você separou aprendizagem de experiência que altera o organismo, alterando o valor de estímulos. E alterar o valor de estímulos não é aprendizagem? Muitos analistas do comportamento operante se esquecem que é.
Qualquer interação organismo (comportamento) vs. ambiente (consequências;estímulos) altera o organismo no sentido que altera seu repertório - mais estímulos controlam a resposta reflexa inata, no respondente, e mais operantes são acrescidos ao repertório operante. Entretanto, o que estudamos são relações entre estímulos e respostas, no respondente, e relações entre antecedentes, comportamento e consequência, no operante.

Se não ficou ainda mais complicado, por favor releia agora o conceito de ambiente no "Psicologia como o estudo de interações" onde apenas o operante é abordado.

JC Todorov


Todorov,
Vou reler seu texto. Acho que minha dúvida foi mal colocada. Pra mim, alterar o valor do estímulo é sim aprendizagem (vide condicionamento respondente). Estive pensando, por exemplo, nos casos em que a mãe consome cocaína durante a gravidez e o indivíduo que nasce tem uma predisposição maior a desenvolver o vício. Nesse caso, não parece haver durante a gestação uma interação entre o comportamento do organismo e o ambiente materno. O ambiente intrauterino, todavia, altera o organismo. Concorda?
Esse exemplo talvez seja claro. Mas fico confusa quando penso no final da gestação, quando o feto já tem seu sistema auditivo desenvolvido. Os dados da psicobiologia mostram que quando mais exposto a vozes ou músicas determinadas, maior a preferidas por elas  logo após o nascimento. E essa preferência está diretamente relaciona ao valo reforçador dos estímulos. Chamam isso de aprendizagem por exposição ou por familiaridade. Minha dúvida, que provavelmente não será respondida agora, é qual o processo comportamental que está ocorrendo no momento.
Talvez reler suas colocações sobre o ambiente me ajude nisso. Vamos ver...
Obrigada por sua resposta,
Tauane


Tauane,

Os exemplos parecem fugir do padrão, pois não há aprendizagem. Em todo o caso no "Psicologia como.." já escrevi que os limites entre psicologia e biologia e psicologia e ciências sociais não são bem definidos. Agora, não há dúvida que qualquer evento que altere características do organismo pode alterar as interações possíveis. Não é a tôa que as neurociências estão em alta.
JC Todorov


14 de dez de 2011
Caro Todorov,
Como você está?
Ontem foi minha qualificação. O Júlio de Rose fez contribuições excelentes, sugerindo leituras do Richelle e do Armando Machado. Contudo, questionou algumas posturas na dissertação. A primeira delas é que eu tinha me prendido muito ao Catania – e, de fato, meu texto é praticamente todo do Catania. A segunda coisa é que ele não concordava com tudo o que foi definido como estrutura. Chegamos juntos à conclusão de que, de fato, tudo tem estrutura, mas nem sempre a análise estrutural acrescenta na compreensão do comportamento. Segundo o Júlio, Skinner tinha feito um ótimo trabalho em selecionar respostas para análise que não demandassem uma análise estrutural (por exemplo, o bicar e a pressão à barra). Sendo assim, nem sempre falar de estrutura é relevante. Contudo, em respostas mais complexas a estrutura do comportamento é sim uma variável a ser considerada. Por exemplo, no comportamento de escrever um poema, as dimensões temporais do comportamento influenciariam na repetição do mesmo. Nesse sentido, a frequência (correspondente a cada vez que o comportamento apareceria) não seria um bom indicativo da força da resposta, demandando que analisássemos os limites impostos pela estrutura do comportamento. No comportamento verbal, foi unanime a conclusão da necessidade de se estudar a estrutura. O mesmo aconteceu quando se falou na decomposição de comportamentos complexos.
Por outro lado, quando sugeri que estudar estrutura era também estudar as dimensões físicas de um estímulo, o Júlio não concordou muito. Para ele, a alteração nessas dimensões alterariam as relações funcionais e, sendo assim, continuaríamos falando de função. Eu não concordei na hora, pois acho que a função se altera em decorrência da alteração na estrutura do ambiente. Não sei o que você acha sobre isso.
Sobre estrutura do organismo, ninguém questionou a importância.
Minhas colocações foram no sentido de que tudo tem uma estrutura. Concordei, entretanto, que é necessário definir melhor as ocasiões em que falar dela é importante. Talvez não seja tão relevante falar da estrutura da pressão à barra, quanto é relevante falar sobre a estrutura de um raciocínio abstrato, por exemplo.
Algumas pessoas têm dito que falar de “estrutura de algo” é como falar do “algo”, então seria irrelevante acrescentar a palavra estrutura. Tenho argumentado que a análise estrutural é um recorte de análise. Não sei se o nome “estrutura” é necessário, o importante é que façamos análises estruturais. E aí não seria redundante estudar a estrutura.
Bom, acho que é isso. Gostaria de ouvir sua opinião.
Um abraço,
Tauane


Tauane,

As discussões estão indo muito além do que eu poderia pensar.. Minha posição é inspirada no Catania, mas não se resume a ele. Se estudamos interações, estamos lidando com processos, com um início, meio e fim, ou recomeço. Quando falo em estrutura me refiro a contexto (incluindo repertório do organismo). O exemplo da pressão à barra é interessante, mas não se esqueça que no início não existia no repertório do rato. foi preciso modelagem (reforço diferencial de classes de respostas em sucessivas aproximações da resposta alvo). A cada aproximação o repertório se estrutura de forma diferente, não é? Mais tarde, a predominância ou não da pressão à barra naquele ambiente vai depender do esquema de reforço. Por outro lado, a resposta alvo na modelagem.não pode estar fora do alcance da estrutura do organismo naquele instante.

Skinner tropeçou na pressão à barra quando estudava o reflexo alimentar (ver "A case history..."). Descobriu um operante com uma amplitude de variação enorme, útil para usar a frequência de ocorrência como variável dependente. Não sei de algum texto que fale da vantagem de não precisar falar em estrutura nesse caso.

Estrutura, função e desenvolvimento, como você viu, são termos com diferentes significados em diferentes teorias. Parece que as críticas que ouviu baseiam-se mais em entender estrutura como é usada pelos cognitivistas, por exemplo. Então que nomes vamos dar a esses bichos.

Gostei das citações de Richelle e Armando Machado. São europeus como Harzem & Miles.

Cansei. Depois talvez continue.

JC Todorov


Todorov,
É, você tem razão... Pressão à barra também é um comportamento que se desenvolve e tem uma estrutura que precisa ser modelada. Acho que é um comportamento tão usado em AC que esquecemos que a aquisição dele não é óbvia.
Se eu tivesse colocado esse argumento, acredito que todos teriam concordado. Tanto é que ninguém duvidou da importância da estrutura do organismo - estrutura essa entendida em suas determinações filogenéticas e ontogenéticas (ou seja, quais comportamentos ele estava apto a apresentar no momento considerado em decorrência de uma história de aprendizagem). Acredito que ninguém questione também a estrutura do repertório.
Abraços,
Tauane

21 de dezembro de 2011
Tauane,

Como disse antes, neste dezembro a casa anda cheia de netos, virou acampamento. Apesar de ser casa de avó, estamos tentando colocar regras para diminuir o barulho.Demorei um pouco para responder por isso. Que bom que começamos a nos entender (e você a explicar aos outros) quanto à questão do conceito de estrutura em análise do comportamento. Alguns de meus ex-alunos sugeriram que esta troca de e-mails poderia ser postada em meu blog, mas tenho minhas dúvidas. Será que lendo alguém vai entender o que estamos discutindo?

Quanto à saúde, tem melhorado, principalmente depois que fui liberado para dirigir.O problema do descolamento da retina ainda não está resolvido, tenho cirurgia marcada para o fim de janeiro

Abraços a todos do laboratório.

JC Todorov

22 de dezembro de 2011.
Todorov,
Obrigada pelas notícias. Fico muito feliz que você tenha sido liberado para dirigir! Certamente, a cirurgia correrá bem. Por favor, nos mantenha informados. A Tatu vive perguntando e falando sobre você.
Sobre o blog, receio que as pessoas não entendam mesmo. Aproveite seus netos e tenha um excelente final de ano!!!
Abraços,
Tauane

Tauane,

Esqueça a idéia do blog. Seria interessante um texto baseado nos blogs, mas daria muito trabalho.
Feliz Natal

JC Todorov


05 de jan de 2012
Olá, Todorov!
Escrevo apenas para contar que acabo de ler um texto da Maria Amélia Matos sobre desenvolvimento e, nele, ela destaca a importância do estudo da interação da estrutura do ambiente com a estrutura do comportamento. A visão dela é semelhante à que temos discutido sobre a necessidade de estruturação do ambiente de acordo com a estrutura do repertório da criança. Ela também aponta que estudar apenas reforçamentos e punições não é suficiente para dar conta do desenvolvimento. Assim que li, me lembrei de você...
Continuarei trabalhando nisso e burilando a escrita do capítulo da dissertação sobre estrutura e Análise do Comportamento. Quem sabe não vira um artigo... Quando tiver algo mais formal, mandarei.
Espero que seu Réveillon tenha sido agradável e que seu ano seja excelente!
Um abraço,
Tauane

06 de janeiro de 2012
Tauane,

Acho que a Maria Amélia escreveu sobre a importância (maior?) do controle do comportamento por estímulos discriminativos. Talvez a Tatu ou o Gerson possam ajudar nisso.

JC Todorov


Todorov,
Pois é... Conversei com a Tatu. Parece que o interesse da Maria Amélia em desenvolvimento não era tão divulgado (nem os professores do departamento sabiam). Veja só:
“Quando a relação entre os termos de uma função é mantida constante, ainda assim seus termos podem variar. Uma análise estrutural lida com as propriedades desses termos (...). Existem certas letras do alfabeto mais difíceis de aprender, isto é, de identificar, ler e produzir, que outras. A identificação das características destas letras, bem como das propriedades específicas daqueles estímulos, é tarefa a ser feita. Em estudos de diferenciação e variabilidade, as características das respostas são tão importantes de serem descritas quanto suas contingências. Não estamos propondo uma análise da estrutura do estímulo, ou da estrutura da resposta, e sim, das interações entre ambas”. (Matos, 1983, p. 13)
São quase as mesmas palavras utilizadas por Catania...
Agora achei textos de Willis Overton, que faz uma análise metateórica muitíssimo interessante sobre desenvolvimento, explicando o motivo pelo qual algumas teorias afirmaram-se como funcionais e outras como estruturais.
Vamos ver no que dá...
Tauane


Vale a pena recuperar esses textos da Maria Amélia. Acho que a Deisy pode ter alguns na mesma linha. Seu artigo sobre estrutura está ficando muito bom!

JC Todorov




25 de Abril
Tauane,

O texto do Armando vai te intgeressar.

JC Todorov
---------- Forwarded message ----------
From: Armando Machado <
armandom@psi.uminho.pt>
Date: 2012/4/25
Subject: [Sqab] Big questions
To: 
Sqab@yahoogroups.com


Let me add a few thoughts to Marc Branch’s remark concerning accumulation. Perhaps the problem is not accumulation but integration. We have studied a few forms of behavioral interaction between organisms and their environments, but we have little to offer in terms of how various experiences integrate into more sophisticated forms of behavior, perhaps qualitatively different forms of behavior. Here is a specific instance: Some of us (and many other scientists) study primitive forms of temporal and numerical sensitivity in animals and humans. We have even elaborated quantitative models that can, under limited circumstances, predict behavior reasonably well. But we have a hard time going from these primitive forms of sensitivity to slightly more elaborate forms. How is it that from the primitive sensitivity to number, and through the coordination of actions, a child learns (some would say, d! evelops) something like the concept of number or, one step back, a one-to-one correspondence? It will not escape your attention that this is an issue that intersects the fields of learning and development; along similar lines, others framed this issue at the intersection of  learning and evolution.

In this respect, the analogy with the method used by Darwin to explain the formation of vegetable mould through the action of worms may be apprpriate. When a certain Mr. Fish remarked that the size and weakness of the worms was incompatible with the enormous task assigned to them by Darwin, Darwin replied: “Here we have an instance of that inability to sum up the effects of a continually recurrent cause, which has often retarded the progress of science, as formerly in the case of geology, and more recently ! in that of the principle of evolution.” (Darwin, 1881, p. 6).

Behavioral integration is one of the big questions for me. Another with which I often struggle is the representational versus non-representational view of learning. This is a different sort of issue, more conceptual than empirical, but for me it is another deep issue (perhaps without a solution in the sense that empirical issues have solutions).

As for our students – Alliston’s legitimate concern -- perhaps you will allow me a more personal remark. Just turned into 50, I am from Alliston’s generation, sufficiently old to dare to offer advice to younger students, but still sufficiently young to have some of my intellectual heroes alive ! and productive (and still admired). I am talking (to remain within our area) not only about Skinner, Sidman, Keller, and Schoenfeld, but also about Rachlin and Staddon, Killeen and Gibbon, Catania and Fantino, and a few others. What impressed me about these scientists when I joined the field was their broad training, including in philosophical/conceptual issues. Perhaps the best our area can do to remain alive is to train our students broadly, always in close contact with Biology, Neuroscience, and Mathematics – and a bit of philosophy will not hurt.

Cheers,

Armando Machado



Oi, Todorov!
Como você está?
Muito obrigada pelo texto. Tenho me preocupado com questões que tangenciam a fala do Armando. Ler o texto dele me interessou muito.
As questões apontadas pelo Armando se aproximam de uma discussão antiga na Psicologia do Desenvolvimento sobre se as mudanças são contínuas (acumulativas) ou descontínuas (qualitativas). Gewirtz e Peláez-Nogueras (1996) têm sugerido que o debate "contínuo x descontínuo" seja meramente uma questão de métrica. Quanto maiores as unidades de medida, mais provável será a descontinuidade; quanto mais finas e menores, mais provável será a descontinuidade. A partir disso, eles concluem que, no contexto da análise do comportamento, não é importante deter-se nessa questão.
Eu tendo a discordar deles. Se pensarmos nas antigas concepções de "estrutura", temos que a entrada de qualquer novo elemento em um sistema alterará todas as relações funcionais entre esses elementos, alterando a estrutura. Analogamente, acho que quando uma nova resposta é acrescentada a um repertório, em maior ou menor grau, as relações funcionais se alteram de maneira mais ampla. Não pode ser algo meramente cumulativo. Acho que avançamos um pouco ao falar em "Behavioral Cusps", embora eu tenha meus bloqueios com esse conceito.
Mais próximo do que o Armando está falando talvez estejam os estudos de insight (enquanto recombinação de repertórios) que estão sendo realizados pelo laboratório da UFPA. Mais uma vez, não é a simples soma de repertórios, mas a recombinação deles que resulta em uma resposta mais complexa.
Minhas ideias ainda estão bastante imaturas. Contudo, tendo a achar que qualquer nova aprendizagem altera as relações funcionais do conjunto em maior ou menor grau. Algumas vezes, essas alterações do conjunto são imperceptíveis. Talvez, nesses casos, caiba um estudo sobre acúmulo de repertório. Em outros casos, a alteração no repertório global é maior. Nesses casos, é importante olhar para o fato de que, talvez, novas relações funcionais tenham sido criadas entre repertórios menores – possivelmente, cria-se, assim, uma nova forma de integração de repertórios, dando origem a comportamentos mais complexos. Quando fixamos nosso olhar apenas sobre a resposta de pressão à barra, tendemos a nos esquecer do emaranhado comportamental no qual aquela resposta simples está integrada. Não quero dizer, com isso, que não possamos estudar parte dos comportamentos de forma contínua.
A questão da integração se amplia para as questões da filogênese, ontogênese e cultura. Tenho lido os trabalhos do Zing-Yang Kuo e do Gilbert Gottlieb, que apresentam uma visão epigenética do desenvolvimento comportamental. Eles têm lindos exemplos de como pequenos eventos ambientais alteram a expressão gênica, embora não alterem os elementos do gene. Sendo assim, nem caberia mais falar em um desenvolvimento biológico-filogenético de um lado e em um desenvolvimento comportamental-ontogenético de outro, mesmo que de maneira didática como o Bijou e o Baer (1965) fizeram. Qualquer evento novo altera o todo - inclusive a expressão gênica.
Faz algum sentido?
De qualquer forma, seja lá a explicação que dermos à questão da "integração", ainda acho que as confirmações ou refutações para isso estão no laboratório.
Desculpe-me pela demora na resposta. Os últimos dias foram corridos e eu queria poder responder com calma.
Abraço,

Tauane



29 de abril
Tauane,

Tenho a impressão que as palavras estrutura e função, com vários significados em diferentes abordagens, mais atrapalham do que ajudam. Vamos tentar focalizar em processos. Minha colocação tem sido que todo processo de interação ocorre no tempo, logo tem começo, meio e fim, ou recomeço. Estamos falando de operantes discriminados (no comportamento humano não vejo operante que não seja discriminado). Se o operante R já existe no repertório, mas com baixa frequência na situação A e sem relação com a consequência S, a CONFIGURAÇÃO do repertório na situação A de início inclui R com baixa frequência. Para estabelecer R como operante discriminado na contingência tríplice A-R-S pode ser necessária modelagem (reforçamento diferencial de sucessivas aproximações em direção ao objetivo) ou apenas garantir que S é consequência selecionadora e que (a) R só será seguido por S na situação A ; (b) R não será seguido por S em outras situações; (c) qualquer outro operante que não R ou nunca será seguido por S, ou se o for, será de forma intermitente e com baixa frequência.

A rapidez com que R vai predominar sobre outros operantes na situação A vai depender do repertório inicial: da força relativa dos outros operantes.  ETC., ETC, a partir daí entram considerações a respeito de momento, contexto de reforço, equivalência de estímulos, etc.

A pressão à barra na caixa de Skinner foi escolhida para simplificar o início da análise, ao eliminar ou diminuir a importância de outros fatores, e para poder estudá-los um de cada vez
Só não podemos esquecer deles.

Para um domingo de manhã acho que já escrevi demais. Espero que você esclareça a questão em sua tese.

JC Todorov


26 de agosto de 2015.

Todorov,
Reli e sistematizei os e-mails que trocamos em 2011 e 2012, época que eu estava começando a estudar desenvolvimento. Confesso que ainda tenho alguma dúvida se entendi direitinho o que você quis dizer sobre estrutura naquela época. Infelizmente, deixei esse assunto morrer depois da minha qualificação, mas ainda queria entender tua opinião.
Lendo nossas trocas de e-mail, percebi que a importância da estrutura aparecia em três momentos. Os dois primeiros são mais fáceis de explicar:
1. Quando falamos sobre a importância do tipo de estímulo que usamos e das respostas que selecionamos. Acho que isso fica claro no trecho da Maria Amélia Matos, "Quando a relação entre os termos de uma função é mantida constante, ainda assim seus termos podem variar. Uma análise estrutural lida com as propriedades desses termos (...). Existem certas letras do alfabeto mais difíceis de aprender, isto é, de identificar, ler e produzir, que outras. A identificação das características destas letras, bem como das propriedades específicas daqueles estímulos, é tarefa a ser feita. Em estudos de diferenciação e variabilidade, as características das respostas são tão importantes de serem descritas quanto suas contingências. Não estamos propondo uma análise da estrutura do estímulo, ou da estrutura da resposta, e sim, das interações entre ambas”. (1983, p. 13)"
2. Quando falamos da estrutura do organismo impondo limitações e possibilidades às respostas e mesmo às relações que podem ser aprendidas.

O terceiro momento em que o termo estrutura aparece nos e-mails é mais difícil de explicar e eu não sei exatamente se entendi: é quando você fala de estrutura de repertório. A verdade é que não sei exatamente o que você chama de repertório. Ainda assim, tenho uma possível interpretação do que você queria dizer. Veja se é isso:
Temos uma série de relações aprendidas. Em diferentes contextos, diferentes respostas e relações têm probabilidades diferentes de aparecer. Algumas vezes as relações estabelecidas ajudam, outras entram em "conflito" com aquilo que se deve aprender. Por exemplo, se eu preciso ensinar uma criança que 2+2=4 e ela já tiver aprendido anteriormente que 1+1=2, o contexto histórico (i.e., relações já estabelecidas) pode facilitar a aprendizagem. Por outro lado, se na vida de uma criança foi reforçado o gritar e o falar alto diante de outras crianças, pode ser mais difícil ensinar que, ao entrar na escola, ela precisa ficar em silêncio na sala de aula mesmo diante de crianças. No primeiro caso, as relações já aprendidas facilitam a aquisição, no segundo, dificultam.
Pensando nesses exemplos, fiquei com a impressão que o que você chamou de "estrutura de repertórios" é a rede de relações já aprendidas e como elas vão influenciar a aquisição de novas relações.
Outras possíveis interpretações do que você quis dizer  com estrutura do repertório surgem da tua típica frase de que "todo processo tem começo, meio e fim (ou recomeço)". Isso me faz pensar se você não está chamando de estrutura de repertório algo como (1) um processo de modelagem, com suas várias etapas, ou como (2) o processo de interação que é próprio do comportamento - o que acontece no ambiente, como o organismo responde e como o ambiente se altera frente a isso.

Algo daí faz sentido? rs
Logo mando pra você os e-mails para que possa publicá-los caso queira.
Mais uma vez, obrigada por tua participação no DDC! Foi bom te ver tão bem.
Abraços
Tauane


15 de setembro de 2015.
Oi Tauane,

Quanto ao “retorno da estrutura”:

Não me preocupo só com “estrutura”. Reafirmo que só estudamos processos, não coisas, e em todo processo é possível ver aspectos de seu desenvolvimento, a partir de algum início, de estruturas que se modificam em função de determinadas variáveis.
Não falo de estrutura enquanto topografia. Esse é o sentido empregado pela Maria Amélia que você citou. Falo das relações entre componentes do processo. Na modelagem a definição de resposta de início é ampla e sempre envolve algum comportamento já verificado como componente do repertório.
Também não falo só da estrutura do organismo. Isso deve ser levado em conta sempre, não há processo de interação comportamento-ambiente sem que se considere condições do organismo. O desenvolvimento comportamental depende das interações com o ambiente externo, que vão influenciar desenvolvimento do sistema nervoso, do aparelho locomotor, etc., etc.“The response, naturally, must be within the organism’s capacity” (Keller & Schoenfeld, p. 284).
Também não falo de “estrutura de repertório” isolada no vácuo. Comportamentos são mantidos no “repertório” enquanto partes de interações, enquanto selecionados pelas consequências. Ver pesquisas sobre o que Keller & Schoenfeld chamaram de regressão e hoje outros preferem um termo menos psicanalítico como ressurgência (ver também Sidman, Coercion, p. 155).
Um repertório pode ajudar quando não inclui um comportamento incompatível com o que deve ser aprendido. Por outro lado, ver Keller & Schoenfeld, p. 204-205, e 290, do original.
Sobre este “terceiro momento” mencionado por você, acho que o raciocínio com probabilidades complica. A probabilidade é zero de uma criança da periferia de São Paulo que nunca frequentou creches, escola maternal, jardim da infância, entender o que se passa em uma aula de escola regular para crianças de seis anos que já passaram por essas experiências.

Último comentário, por enquanto: esqueça de etapas mandatórias. Nunca falei de etapas, nem de estruturas isoladamente. Isso é coisa de quem não consegue tirar Piaget da cabeça e projeta na gente..., mas cada cultura programa sequências de aprendizagem necessárias para a aculturação a partir do nascimento, sempre levando em conta o que é biologicamente possível em cada etapa. O acúmulo de informações sobre isso na psicologia é enorme. Não é o caso de reinventar a roda.

Um abraço,

João Claudio



18 de setembro de 2015.

Todorov,
Obrigada pela tua resposta.Eu entendi o que não é a estrutura que você está enfatizando.  
O que eu conseguir derivar do que você escreveu é que o termo estrutura talvez seja usado por você no sentido de como o repertório está estruturado e será reestruturado em função das novas interações. E, quando digo isso, entendi que o repertório não é visto como um saco de respostas aprendidas e isoladas dos aspectos funcionais.
Por "como o repertório está estruturado" eu me refiro ao conjunto mais amplo de relações estabelecidas na vida do sujeito, uma relação impactando a outra de alguma forma (se é que é possível separar, que não didaticamente, uma relação das outras). Durante o desenvolvimento/processo de mudança, esse jogo de relações é constantemente balançado e reestruturado. Desse ponto de vista, o desenvolvimento poderia ser visto como as mudanças na estrutura a partir das interações que se estabelecem com o meio. É por aí?
Tauane


Beleza! É por aí mesmo! E é tudo junto agora, a cada momento, herança genética, repertório inicial da espécie, influência do ambiente, etc.
J C Todorov


Aleluia! Acho que entendi! Hahahahaha
Segue em anexo toda a imensa troca de e-mails desses anos.
Tauane


Maio de 2016



            Só escrevo para dizer que atualmente consigo ver toda a questão da estrutura, sobre a qual conversamos. Tenho observado e registrado diariamente o comportamento de ratos, do dia 1 de vida até os 60... Estou no comecinho da vida deles ainda. E é justamente isso: a cada coisa nova aprendida, tudo se reestrutura, mesmo aquilo que não tem relação direta com a nova aprendizagem. Por exemplo, a ninhada mais velha que tenho está hoje com 9 dias de vida. É a primeira vez que conseguem sustentar a cabeça erguida, sem precisar apoia-la em algum lugar. Isso fez revoluções:
- agora os ratos podem virar a cabeça para cima, o que fez também surgir a resposta de encostar as patas dianteiras nas paredes e vai tornar mais provável o "levantar-se";
- as formas possíveis de mamar se ampliaram muito, de modo que eles não precisem mais de um apoio completo para mamar ou mesmo se dependurar na mama da mãe;
- eles começaram a farejar (o que eu achei incrível, porque nunca tinha pensado na relação de uma coisa com a outra!);
- a forma de se locomover se tornou bem mais rápida, provavelmente por eles terem que arrastar uma parte a menos (a cabeça) enquanto se mexem.

            O levantar a cabeça, obviamente, foi precedido de outras coisas. Por exemplo, eles nascem com a mesma espessura de cabeça, pescoço e restante do corpo. Com o passar dos dias, o corpo e a cabeça vão ficando mais robustos - o corpo muito mais do que a cabeça! Aos 9 dias, a cabeça é mais fina que o resto do corpo e o pescoço mais fino que ambos. As patas também crescem e parte da região lombar se torma mais protuberante, de forma a fazer uma ondulação nas costas deles. Por fim, nos primeiros dias de vida ocorre um fortalecimento da musculatura do pescoço e da cabeça, porque os filhotes empurram com a cabeça quase qualquer barreira que encontram na frente - isso tem um grande valor de sobrevivência, porque torna viável que eles consigam entrar embaixo da mãe para mamar. Todos esses aspectos juntos tornam possível a resposta de sustentação dessa região.
            Para mim, é um exemplo claro de reestruturação do repertório. Ou seja, muitas relações se reestruturam a partir de uma nova! Enfim... Queria dividir isso com você e perguntar se você considera um exemplo do que conversamos ao longo dos últimos anos a respeito do papel da estrutura.

Tauane Gehm