"O que é metacontingência e por que é
(des)necessária?"
Publicada no blog da ABPMC a convite de Diego Zilio
A palavra metacontingência foi proposta em
1986 por Sigrid Glenn (Glenn, 1986) para se referir a efeitos coletivos a médio
ou longo prazos de operantes individuais independentes. Em 1987 foi usada como um
conjunto de contingências e metacontingências que programa um determinado
Produto Agregado (Todorov, 1987). Durante 20 anos aparece principalmente em
artigos teóricos, como o que se dedica a explicar o comportamento dos eleitos
no Congresso americano (Lamal & Greenspoon, 1992).
Contingência
é uma relação condicional entre dois eventos. No caso da contingência
comportamental, se um comportamento ocorrer, então uma consequência ocorrerá em
tais e quais circunstâncias. Uma consequência pode ocorrer sempre que o
comportamento ocorre, ou depois de repetidas ocorrências do comportamento, ou
dependendo do tempo decorrido desde a última ocorrência dessa consequência, ou
dependendo de inúmeras combinações de tempo e número de respostas, e de
relações fixas ou variáveis. Resumindo: o conceito de contingência
comportamental abarca infindáveis exemplos de interações
comportamento-ambiente, inúmeras das quais estão documentadas em livros e
artigos científicos, como, por exemplo, na Revista Brasileira de Análise do
Comportamento.
Metacontigência
é uma relação condicional entre a colaboração de pelo menos duas pessoas
(contingências comportamentais entrelaçadas) que resulta em determinado
produto e alguma consequência programada por um ambiente cultural
selecionador. Metacontingências podem ser classificadas de acordo com o tipo de
relação de consequência (cerimoniais ou tecnológicas) e da especificação do
produto agregado (conservadoras ou transformadoras), e de combinações de
relação de consequência e especificação do produto (por exemplo, cerimonial
conservadora, tecnológica transformadora, etc., Todorov, 2013).
Uma metacontingência não é apenas um jogo de
contingências individuais de pessoas diferentes. Uma metacontingência consiste
em contingências individuais entrelaçadas, que produzem um mesmo efeito e levam
a uma mesma conseqüência (Lamal & Greenspoon, 1992). No caso das
práticas culturais, o agente a ser selecionado é o efeito (Produto Agregado)
produzido pela prática (as contingências comportamentais interligadas). A
variação é proporcionada por permutações no comportamento dos indivíduos que
participam da prática (Glenn, 1991, pp. 62-63). Há uma ênfase no processo seletivo do
entrelaçamento de muitos operantes e, consequentemente, na transmissão de
padrões comportamentais através do tempo, reforçando também a ideia de que a
unidade de análise pode ser a relação entre o entrelaçamento e o produto
agregado (Glenn, 1988), a descrição das funções de diferentes efeitos
ambientais produzidos pelo entrelaçamento (Glenn & Malott, 2004) e uma
diferenciação entre processos de variação e seleção que ocorrem em nível
individual (relações de macrocontingência) e processos de variação e seleção
que ocorrem em nível cultural (relações de metacontingência, Malott &
Glenn, 2006; Martone & Todorov, 2007; Glenn et al., 2016)).
Ao descrever as complexas relações comportamentais que ocorrem no
terceiro nível de variação e seleção, o conceito de metacontingência coloca-nos
frente a importantes questões conceituais e metodológicas:
(1) o problema da unidade de análise no nível
cultural e,
(2)
em se
tratando de análise experimental, a variável crítica a ser manipulada no sentido
de produzir, em condições controladas de laboratório, a seleção de um
entrelaçamento específico de muitos comportamentos ao longo do tempo,
desencadeando a transmissão do que Glenn & Malott (2004) denominam de
“linhagem cultural” (Martone & Todorov, 2007).
A questão conceitual tem gerado ferrenha reação.
Entre os participantes do I Think Tank sobre Cultura e Comportamento em
Campinas, 2005, três argumentaram sobre a desnecessidade do conceito de
metacontingência (Branch,2006; Marr, 2006; Mattaini, 2006). No Brasil autores
que já haviam publicados sobre problemas sociais usando apenas a contingência
comportamental também acham desnecessário o novo conceito (Gusso e Kubo, 2007),
ou agora afirmam que Skinner preferiu trabalhar só com o conceito de
contingência comportamental mesmo quando fala da forço do grupo (Carrara &
Zilio, 2016) e que comemoramos 30 anos de metacontingências com um fracasso: o
conceito é desnecessário (Zilio, 2018).
A análise experimental de
metacontingências cresceu exponencialmente depois das críticas dos
participantes do I Think Tank (Campinas, 2005). Até então só a dissertação de
mestrado de Christian Vichi (2004, 2005) na PUC-SP de 2004 mostrava dados
experimentais. Em 15 anos foram várias dezenas de teses e dissertações, usando
diferentes procedimentos, estudando só metacontingências ou essa relação
condicional embutida em procedimento mais complexo. Para citar apenas três dos
publicados mais recentemente: Soares et al (2018), Guimarães, Picanço &
Tourinho (2019) e da Hora & Sampaio (2019).
“Concepts such as operant, culturobehavioral
lineage, culturant, and macrobehavior can facilitate an interdisciplinary and
multidimensional approach to social issues such as corruption. They cross
through disciplines, overcoming the traditionally rigid boundary between
psychological, sociological, anthropological, and economic phenomena, clarify
aspects that require further investigation and contribute to the unification of
the sciences that deal with human behavior in its various dimensions. This is
one important way in which the concept of metacontingency and related concepts
such as culturant can be useful. This was not mentioned by Zilio (2019), who
recently questioned the utility of such concepts. Besides the huge amount of
work (experimental, theoretical, and, to a lesser degree, applied) that
employed it—as Zilio’s review itself documented—one has to take into account
the conceptual coherence of such a transdisciplinary perspective on behavior,
society, and culture when evaluating its utility.” (da Hora & Sampaio,
2019).
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