A
preocupação com a qualidade de vida nas metrópoles sempre existiu, só aumentou
com a tendência mundial de êxodo do campo para as cidades. Nos Estados Unidos,
especialmente depois da II Guerra Mundial, Wilson & Kelling (1982)
argumentaram que a principal causa da queda na qualidade de vida nas cidades se
devia a “desordeiros”, não necessariamente violentos nem necessariamente
criminosos, mas sem respeito ou imprevisíveis: mendigos, bêbados, viciados,
adolescentes desordeiros, prostitutas, vagabundos e
os mentalmente
perturbados. Essa “população” cresceu a ponto
de incomodar porque a policia nunca tinha lidado adequadamente com a questão.
Wilson & Kelling defenderam a ação da polícia para combater esses casos
para evitar que se transformassem em problemas mais sérios como crimes graves,
no que veio a ser chamado de Teoria da Janela Quebrada, como no título do
artigo: Broken
windows: The police and neighborhood safety (Janelas quebradas: a polícia e a segurança da
vizinhança).
Tolerância Zero
Em
1986 o Promotor Federal de San Diego, California ficou nacionalmente conhecido
por determinar que fosse apreendido todo navio que estivesse carregando
qualquer quantidade de drogas ilegais. O programa estadual, denominado
Tolerância Zero, se tornou federal pela ação do Procurador da República dos
Estados Unidos, Edwin Meese em 1988, que ordenou que veículos e propriedades de
qualquer pessoa cruzando as fronteiras com qualquer quantidade de drogas fossem
apreendidos e os responsáveis processados criminalmente (Skiba & Knesting,
2001).
Janela Quebrada
A teoria de Wilson & Kelling (1982)
foi um marco nos Estados Unidos na explicação da chamada crise urbana,
colocando em evidência a questão comportamento/consequência quando se atribuia
o problema a fatores materiais. Weaver (2016) chama a atenção para as duas correntes
ligadas a diferentes visões políticas, mas ideologia de lado, as crises urbanas
que foram adequadamente tratadas envolveram tanto recursos materiais quanto
culturais (relações condicionais comportamento-consequência). Os trabalhos
antigos que falam em Janelas Quebradas estavam mais preocupados com a segurança
pública nos espaços urbanos – controlar os espaços para controlar os
comportamentos. Favelas inteiras foram demolidas e em seu lugar foram
construídos arranha-céus que fizeram a fortuna dos que investem no mercado
imobiliário e as prefeituras que passaram a arrecadar muito mais impostos. Principalmente
depois de Wilson Kelling (1982) Janela Quebrada também foi chamada de
Tolerância Zero – assim como não se deve deixar passar uma janela quebrada sem
consertar, não há crime, infração ou ofensa que seja tão inofensivo que não deva
ser punido.
As dificuldades para cumprir a lei.
Uma prisão pode
representar o início
de uma
cadeia comportamental envolvendo agências
e agentes públicos ao longo
de meses
ou anos.
As leis
geralmente envolvem comportamento
complexo - complexo no
sentido de que seus
artigos descrevem mais
do que
respostas únicas, especificam
as circunstâncias aplicáveis, as consequências e, às vezes,
apontam condições atenuantes.
O controle
envolve uma rede
de leis;
um único
ato ilegal
põe em
movimento todo um
conjunto de órgãos governamentais. Como uma
sociedade pode garantir
que uma
nova lei,
aprovada com a
intenção de promover
mudanças nas práticas
culturais, controle o
novo comportamento
dos cidadãos
e dos
agentes governamentais? (Todorov, 2005).
A lei é
melhor escrita quando
trata de
comportamento indesejável do
acusado e do comportamento
dos policiais
ao lidar
com o problema. Pode-se ver
o sistema
judiciário de um
país como
um sistema
cultural. Existem no
sistema judiciário contingências
comportamentais interligadas que definem
suas práticas
culturais particulares (Todorov, 1987, 2005; Cabral & Todorov, 2015; Carvalho & Todorov, 2016). O sistema
judiciário é composto
por estruturas
físicas e organizacionais,
e de
seus membros,
juízes, advogados, advogados
e afins.
Mas, como
sistema cultural, o
judiciário depende inteiramente
dos repertórios
comportamentais de seus
membros. Quando uma
nova lei
apenas descreve as práticas
culturais em curso
em uma
determinada comunidade, a
aplicação da lei
não conflita
com os
repertórios comportamentais dos agentes
governamentais encarregados. Isso parece ter acontecido com
o procedimento Tolerância Zero. Mudanças nas práticas culturais da comunidade exigem
mudanças prévias nos repertórios comportamentais daqueles que devem fazer
cumprir a lei. Em um sistema que já é lento, se não arcaico, a tomada de decisão
por juízes e advogados, por vezes, segue a linha de menor esforço. (Glenn,
1993; Todorov, 2005).
Independentemente da
redistribuição espacial dos pobres, comportamentos inadequados continuariam a
desvalorizar qualquer área urbana (Jackson, Bradford, Hohl & Farrall,
2009). De 1994 a 2001 a maior e mais
conhecida experiência de mudança cultural aconteceu em Nova Iorque, comandada
pelo prefeito Rudolf Giuliani, usando conceitos e procedimentos já usados por
outros governantes em outros estados e cidades: Janela Quebrada, Tolerância
Zero, e Qualidade de Vida (Skiba & Knesting, 2001). Dezenas, talvez
centenas, de artigos já fora publicados sobre a ação de Giuliani em Nova
Iorque, mas praticamente nem um deles aborda dois pontos importantes para o
sucesso da grande mudança cultural: um aumento de cerca de 30% no efetivo da
polícia (muito mais polícia nas ruas) e um acompanhamento e avaliação contínuos
do desempenho de cada policial (Greene, 1999).
“Tolerância zero’ em si
talvez tenha trazido mais problemas que soluções a longo prazo, com queixas de
viés racial na ação dos policiais e na total inadequação para controlar a
violência nas escolas (Giroux, 2003; Greene, 1999). “Janela Quebrada”, por
outro lado foi uma teoria saudada com entusiasmo pelos partidos políticos de
direita (predominância do capital sobre o trabalho) e combatida pelos partidos
de esquerda (combate à desigualdade de renda).
REFERÊNCIAS
Cabral, M. D. C. & Todorov, J.
C. (2015). Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei
sobre a remição da pena pelo estudo. Revista Brasileira de Análise do
Comportamento, 11(2), 195-202.
Carvalho, I. C. V. & Todorov,
J. C. (2016). Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e
bases da educação: primeiro o objetivo, depois como chegar lá. Revista
Brasileira de Análise do Comportamento, 12(2), 75-85.
Giroux, H. A. (2003). Racial
injustice and disposable youth in the age of zero tolerance. Qualitative Studies in Education,16(4), 553–565.
Glenn, S. (1993). Windows on the 21st Century. The Behavior Analyst,
16, 133-151.
Greene, J. A. (1999). Zero tolerance – A case study of police policies
and practices in NYC. Crime and Delinquency,45(2), 171-187.
Jackson, J., Bradford, B., Hohl, K., & Farrall, S. (2009). Does the
fear of crime erode public confidence in policing? Policing, 3(1), 100–111. doi:
10.1093/police/pan079
Kelling, G., & Wilson, J. (1982). Broken windows: The police and
neighborhood safety. Atlantic Monthly, 249(3), 29-38.
Skiba, R. J. & Knesting, K. (2001). Zero tolerance, zero evidence:
An analysis of school disciplinary practice. New Directions for Youth Development,
92, 17-43.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: MacMillan.
Todorov, J. C. (1987). A Constituição como metacontingência. Psicologia:
Ciência e Profissão, 7, 9-13. (Portuguese)
Todorov, J. C. (2005). Laws and the complex control of behavior. Behavior
and Social Issues, 14, 86-91.
Weaver, T. (2016). Urban crisis: The genealogy of a concept. Urban
Studies, Special, 1–17, DOI: 10.1177/0042098016640487
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