Um editorial da Folha de São Paulo de 19 de janeiro e um
artigo na página de opinião do Correio Braziliense do dia anterior tocam num
ponto sensível de todos nós: o desejo de não ser controlado. O editorial da
Folha critica o uso do nudge
(empurrãozinho) popularizado por dois psicólogos americanos por ser uma forma
de controle. Parece partir do pressuposto que vivemos todos senhores de nossos
destinos, no paraíso do livre-arbítrio: fi-lo
por quer qui-lo, como diria o ex-presidente Jânio Quadros. Trata-se de uma jóia do pensamento leigo, com
pouco abrigo nas ciências sociais e na psicologia. Uma das tarefas da Análise
do Comportamento é exatamente o de denunciar as formas de controle coercitivo
nas quais se baseiam boa parte das sociedades modernas. Como disse Ortega y
Gasset, nós somos nós e nossas circunstâncias; quando essas circunstâncias são
controladas pela burocracia do Estado, o controle acontece via coerção, mesmo
que essa coerção ocorra pela ameaça de retirada de algo do qual necessitamos.
Controlamos e somos controlados em nossas relações pessoais, muitas vezes por
ameaças veladas.
Qualquer forma de coerção é ruim: coerção sempre gera
propensão para fuga do assunto, da pessoa, do lugar, etc., e esquiva de
oportunidades futuras de situações que possam ser coercitivas. A obrigação do
analista do comportamento é socializar o que sabe sobre tipos de controle, e
avisar aos navegantes: não há escapatória. A única saída é reconhecer que
controlamos e somos controlados, e procurar fazer isso da forma mais amena
possível. De preferência sem punição. Nesse ponto, o empurrãozinho da Folha é um achado para o Estado democrático quando
precisa mudar comportamentos dos cidadãos para o bem deles e de toda a
sociedade. Vejamos dois dos exemplos mais conhecidos de nudge: alimentação das crianças na cantina da escola e plano de
previdência para garantir proventos na aposentadoria.
Obesidade na população é um problema sério de saúde
pública nos Estados Unidos e começa a ser também no Brasil. Uma das maneiras de
se controlar a obesidade nas crianças seria controlar o que comem enquanto estão
aos cuidados do Estado, na escola. Uma das maneiras de fazer isso seria só
oferecer alimentos saudáveis na cantina. No país do individualismo e dos direitos do cidadão esse tipo de
controle é visto como intromissão indevida do Estado. A alternativa é continuar
a oferecer a junk food tradicional (à
base de trigo, carne e batata) e alternativas saudáveis. O conceito de nudge sugere colocar os alimentos
saudáveis mais à vista, sem necessariamente esconder a batata frita, aumentando
a probabilidade de que a criança se alimente melhor. Esse é o controle sutil
condenado pelo editorial da Folha de São Paulo, como se fosse o primeiro passo
em direção ao estado totalitário, ignorando-se tudo o que fazem os ministérios
da saúde dos países em suas campanhas da saúde coletiva, muitas vezes
coercitivas. A bem dizer, o nudge é
um passo em direção a menos controle,
não mais.
Aposentadoria
é assunto que tem tudo a ver com pesquisa básica em Análise Experimental do
Comportamento e em Economia. É um exemplo de escolha intertemporal, ou
autocontrole. No Brasil a contribuição para o fundo de aposentadoria é
compulsória para empregados de empresas ou funcionários públicos, o governo já
retira essa parte dos contracheques. Essa contribuição não é compulsória nos
Estados Unidos. Empresas têm seus fundos de aposentadoria e o empregado
contribui se quiser. O que se verifica é que
a adesão aos fundos é menor quando o empregado precisa pedir para
participar do plano, quando comparada com a situação em que a contribuição é
descontada em folha de todos os empregados, menos daqueles que pedem para não
participar. Em nenhum dos casos se pode dizer que há coerção, mas o benefício a
longo prazo é mais provável quando a pessoa precisa afirmar que não quer esse
benefício.
Nudge é uma
forma de controle, é certo. No artigo do Correio Braziliense o jornalista André
Gustavo Stumpf escreveu: “A luta do cidadão contra o Estado é constante, diária
e impossível de ser conciliada. No pequeno espaço de minha autonomia, que
começa nas restrições da gramática e termina no patrulhamento político, há
algum espaço para o movimento”. Formar cidadãos é cultivar esse “pequeno espaço” que nos
permitem nossas escolhas passadas. Parafraseando Ortega y Gasset se poderia
dizer: eu sou eu e as escolhas que eu fiz, pois eu faço minhas escolhas e
minhas escolhas me fazem. Quanto mais soubermos sobre como nos controlam mais
chances teremos de fazer melhores escolhas.
Excelente texto professor!
ResponderExcluirPercebo, principalmente pelos editais de concursos públicos, que é crescente a participação do psicólogo enquanto profissional (analista e técnico) de políticas públicas. Com certeza a Análise do Comportamento tem muito a contribuir com as funções de um Estado Democrático de Direito, seja nos direitos ou nos deveres de seu povo. O problema é que muitas vezes para ingressar no serviço público o analista do comportamento precisa passar por provas bem diferente de sua linguagem habitual, visto que as correntes mentalistas são o mainstream aqui no Brasil.
Fugindo um pouco da área de psicologia, tiver o prazer de estudar e trabalhar a Administração Pública em meu mestrado. Mesmo não envolvendo um estudo aprofundado, como uma tese exigiria, as reflexões sobre a participação de nossa comunidade verbal no funcionalismo público de forma mais abrangente permitia inúmeros devaneios (risos). Afinal, o que são as políticas públicas senão arranjos e rearranjos contingenciais, não é mesmo?!
Creio que seriam inúmeros os desafios que a Análise do Comportamento enfrentaria ao levar de forma integral seus conceitos e fundamentos derivados do Behaviorismo Radical. Em especial quando abordados temas como livre-arbítrio e controle, como bem descritos em seu texto. Mas talvez estes desafios não seriam tão diferentes dos que enfrentamos atualmente para desenvolver e aplicar nossa ciência. Bom, se bem que se analisarmos o impacto da mudança de paradigma que propomos talvez o ideal realmente sejam mudanças graduais e pontuais (risos).
Abraços,
Pedro Baratti
Caro Pedro
ExcluirSe o concurso público é para psicólogos o candidato tem que saber psicologia. Na graduação não deve haver especialização. O que não se percebeu ainda é que o analista do comportamento tem contribuições que são únicas. Um caminho seria reivindicar questões de AC nos concursos; outro seria propor cargos para analistas do comportamento (com zero chance de aceitação no presente). Uma terceira via é aproveitar cursos de pós-graduação para formar analistas do comportamento com outras formações profissionais – afinal a AC é útil para todos que lidam com pessoas.
Concordo totalmente com sua resposta professor, em especial sobre o problema da cobrança dos concursos em uma ou outra abordagem específica. Mas o que percebo pelos editais, e sobretudo, pelos concursos dos quais participei é a quase ausência de questões relacionadas as teorias comportamentais no sentindo amplo. Querendo ou não, o foco acaba ficando em conteúdos psicanalíticos. Uma das vias que vislumbro é a terceira que você mencionou, alguma formação em nível de pós-graduação, possibilitando a formação de profissionais em AC voltadas para questões de Políticas Públicas e outro temas diversos. No mais, muito obrigado pela resposta!
ExcluirAbraços,
Muito bom professor Todorov!
ResponderExcluirHá alguns anos escolhi acreditar que "não há escapatória. A única saída é reconhecer que controlamos e somos controlados". Afinal, as circunstâncias nas quais fui educado formalmente, e que também foram minhas escolhas, não poderiam ter me levado a outra crença que não essa!
Talvez eu seja ainda um pouco mais radical que o senhor nessa questão. Não diria que "nudge é um passo em direção a menos controle, não mais." Não diria que controle tem magnitude ou amplitude. Talvez nudge seja um passo em direção a um tipo de controle diferente, menos aversivo. E por ser menos aversivo gera em nós, indivíduos controlados, a sensação de liberdade, a sensação de que as rédeas de nosso destino, de nossas escolhas, estejam em nossas mãos. Embora não estejamos sendo nem mais e nem menos controlados pelas circunstâncias a nós dispostas.
O que acha?
Abraço,
Márcio
Caro Márcio
ExcluirVocê tem razão. No texto eu me preocupei apenas em contestar o editorial da Folha que diz que o “empurrãozinho” é uma forma sutil de controle – o controle estaria sendo introduzido sem que as pessoas percebessem. É sutil no sentido que não envolve controle aversivo e, além disso, tem consequências atrasadas: a saúde não vai melhorar no momento em que a comida saudável é ingerida.
Sobre controle ter ou não magnitude, acho que tem. Tanto no laboratório quando manipulamos intensidade de punição ou custo da resposta de mudança em situações de escolha, como na vida prática. Não é à toa que os bons jogadores de futebol assinam contratos com cláusulas que exigem fortunas para mudar de time antes do fim do prazo acertado.
Obrigado pela resposta professor!
ResponderExcluirAinda sobre controle ter ou não magnitude, da forma com o senhor está usando o termo tem sim magnitude (se entendi corretamente): é possível ter mais ou menos controle sobre o comportamento de alguém.
No entanto, quando eu disse que controle não teria magnitude, não deixei claro mas me referia a controle no sentido de que o comportamento é determinado. Talvez fique melhor colocado dizer que o comportamento não poderia ser mais ou menos determinado. Se sim, talvez "corrêssemos o risco" de ter que assumir a possibilidade de existir o "limite inferior dessa magnitude": ausência de determinação (ausência de controle).
Mas depois da explicação do senhor acho que mudei minha interpretação da frase que originou a discussão e passo a concordar com ela, rsrs:
"o nudge é um passo em direção a menos controle, não mais." (menos controle de uma agência ou indivíduo sobre outro, o que não muda o fato de que, qualquer que sejam as escolhas de alguém (junk food ou salada), o comportamento continua sendo controlado, continua sendo determinado).
Um abraço,
Márcio