terça-feira, 30 de setembro de 2014

Comportamento, ambiente e rendimento escolar, um desafio para todos.


            O ambiente de paz na escola é um produto da colaboração de alunos, suas famílias, professores, dirigentes, funcionários e da comunidade afetada pela violência gerada na própria escola. O rendimento acadêmico depende de um ambiente de paz, para o qual contribui até a arquitetura do local. Em grande parte, os professores, funcionários e alunos já são de início agredidos pelo ambiente físico. Tudo contribui para o circulo vicioso da violência e do baixo rendimento escolar.
            Em 2010 comecei a elaborar um projeto sobre violência nas escolas. Sou analista do comportamento, um behaviorista interessado em estudar práticas culturais, e dentre estas, metacontingências. Não é surpresa, pois, que o projeto se apoie no conceito de ambiente de paz como produto agregado, resultante de incontáveis comportamentos interligados, da colaboração de todas as pessoas envolvidas. Mas eu já estava muito doente e tocava a vida e o trabalho à custa de medicação excessiva. Já em 1998 havia sido diagnosticada minha DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), incluindo enfisema (severa ou severíssima, dependendo do médico), bronquite crônica, asma de esforço e asma alérgica. O especialista foi categórico: aposentadoria e permanência em casa com pelo menos 18 horas diárias respirando oxigênio para compensar a insuficiência pulmonar. Não gostei. Achei um exagero, pois além de coordenar o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária do Incra eu levava uma vida mais ou menos agitada, incluindo golfe nos fins de semana. Apesar de gripes e uma pneumonia, considerei o diagnóstico um exagero e continuei a trabalhar, sem uso de oxigênio e aumentando o uso de corticoides e de antibióticos.
            Um perigo constante para doentes crônicos é a automedicação. Ao longo dos anos fui controlando o cansaço no golfe usando um carro elétrico ao invés de andar e mais tarde levando um tubo de oxigênio no carro para conseguir terminar pelo menos metade de uma partida. Em 2008 a saúde começou a piorar. Eu deveria ter parado com tudo, finalmente seguindo a receita do pneumologista de 1998. Teimoso, não parei. Em 2009 tudo começou a dar errado. Em 2010 eu já estava com 10 quilos acima do peso por retenção de água (uso contínuo de corticoides), afastamentos por motivo de saúde ficaram mais frequentes.
O mal estar continuou mesmo na UTI, quando acordei sem saber onde estava e o que tinha acontecido. A recuperação levou quase dois anos. Hoje aprendi a sair de Brasília nos períodos de ar muito seco e grande variação na temperatura e a ficar ao nível do mar o maior tempo possível. Voltei a orientar alunos na UnB e a publicar com a frequência costumeira. Já dá para pensar nos projetos que ficaram inacabados.


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Controle e contra controle em contingências sociais.


Em artigo no Sunday Review of the New York Times (17 de agosto de 2014) C. Bradatan escreveu sobre a dificuldade que temos de atentar para as circunstâncias que nos afetam:

Sócrates tornou-se um estranho em sua própria cidade, mas não se mudou para outra. Tornou-se “átopos”, que siginificava “fora de lugar”, mas também “perturbador” e “intrigante”. Ser átopos é crucial se você quer ser um filósofo sem meias palavras como era Sócrates. Em cada comunidade há algo que deve ficar sem ser dito, sem nome, incomunicável. E você indica que participa dessa comunidade precisamente porque participa do silencio geral. Revelar tudo, ..., é o trabalho do estrangeiro. Seja porque estranhos não conhecem as regras da cultura local, seja porque não se espera que as respeitem, estrangeiros podem se dar ao luxo de falar à vontade”. (Sunday Review, p. 12).

Ser incapaz de descrever as contingências sociais que governam as regras de convivência na cultura é resultado de ter se tornado humano nessa cultura. Quando o grupo nos ensina o que pode der dito e o que não pode, também nos ensina o que pode ser pensado e o que não pode. O “conhece-te a ti mesmo” do mesmo Sócrates poderia ser reescrito como “para conhecer a ti mesmo conheça primeiro a cultura que te formou”. O papel da Análise do Comportamento é o de nos ajudar a  exercer o contra controle, e para isso é necessário conhecer o que nos controla e como esse controle é exercido, na família, na escola, no trabalho, no clube, na igreja, nos tribunais, nas redes sociais, nos governos.

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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O mentalismo que nos cerca.


                Nos Estados Unidos os eleitores do Partido Democrata são tidos como liberais e os do Partido Republicano como conservadores. No conservadorismo do Partido Republicano cabe uma ala mais extremista, o chamado Tea Party que é contra tudo de novo “que está aí”. No debate atual sobre o aumento na desigualdade de rendimentos no país alguém dessa direita saiu-se com esta pérola: “Se alguém desejar ser pobre ele pode ser; se desejar ser rico ele também pode ser”.  Você é o que desejou ser! Vá ser mentalista assim lá no Alaska (ou no Hawai, que é mais longe).
                Nicholas Kristof, do NY Times, não foi nem ao Alaska, nem ao Hawai, mas já em Oregon, no noroeste dos Estados Unidos, testemunhou essa atitude em Yamhill, sua cidade natal. Pessoas que fizeram algum sucesso na vida acham que devem isso apenas a seu esforço pessoal e sua inteligência, sem considerar que vieram de famílias que os criaram com todo carinho e conforto, liam livros para eles, levavam a praticar esportes coletivos, ensinaram a frequentar bibliotecas e a apreciar música. Segundo o jornalista, “eles foram programados para fazer sucesso na vida desde que eram zigotos”. Já adultos, bem sucedidos, olham para os pobres e miseráveis sem considerar suas circunstâncias e atribuem esse destino a falta de esforço.
                Esse tipo de explicação para desigualdades econômicas, sociais, e/ou culturais existe por todo lado, inclusive no Brasil. Um exemplo disso costuma acompanhar conversas sobre programas compensatórios como o Bolsa Família, originário do Bolsa Escola (Brasilia e Campinas), logo um programa de muitos partidos, alguns adversários. Dizem que o programa dá o peixe quando deveria ensinar o cidadão a pescar. Bom, como diziam os antigos, devagar com o andor. Esmolas, como já cantava Luiz Gonzaga, ou matam de vergonha ou viciam o cidadão. Mas há os casos de miséria tão completa que sem uma ajuda continuada a família não se sustenta. Quando se exige contrapartida, como manter as crianças na escola, vacinar os bebês, frequentar cursos para aumentar a empregabilidade, o dinheiro recebido  não pode ser considerado esmola, não envergonha, ainda que possa viciar a cidadã.

No lugar de dizer que quem recebe o Bolsa Família é vagabundo, tão vagabundo que não deseja trabalhar, melhor seria garantir, via mobilização do povo, que o programa seja fiscalizado adequadamente.

domingo, 27 de julho de 2014

Disputas comerciais no mercado das psicoterapias.


Abordagens psicoterapêuticas são resultado de comportamentos sensíveis às suas consequências, como qualquer comportamento operante. São mantidas e prosperam na medida em que seus seguidores de alguma forma agradam os clientes, mantem-se na profissão e ganham reputação pelas indicações feitas por ex-clientes. Por outro lado, uma fonte inesgotável de produção de “novas” abordagens são as contingências especificadas por agências governamentais para o apoio a “inovações tecnológicas” na área. Nos Estados Unidos editais de agências de apoio a tais inovações costumam requerer verdadeiros pacotes, como um nome novo, especificação de métodos e técnicas a serem empregados, tipo de transtorno a que se destina o “pacote”, número previsto de sessões, medidas que mostrem o efeito da terapia, etc. Esse tipo de seleção de propostas está em efeito nos Estados Unidos há mais de 20 anos e tem gerado muitas “tartaruguinhas”, quem sobrevivem (poucas) se conseguirem chegar ao “mar” do mercado ou ao céu dos programas mantidos por verba do governo.
                No Brasil são muito conhecidos os casos de terapeutas analítico-comportamentais que usam nomes de fantasia para distinguir o trabalho – não é o caso de citá-los aqui. No geral isso é aceito porque todo exercício profissional é uma arte, ainda que toda arte dependa de técnicas. Mas  por trás de toda técnica há princípios de alguma ciência, mesmo que a técnica tenha se desenvolvido sem apoio da ciência. Não há problema ético quando o nome de fantasia não usa termos incompatíveis com os princípios da ciência, como faz o ITCR, por exemplo. Mas vejo um problema sério quando misturam ciência com religião (exemplo hipotético: psicoterapia cristã-comportamental) ou com ideologia (outro exemplo hipotético: psicoterapia humanista-comportamental). Um problema ético sério surge quando alguém anuncia um treinamento para uso de alguma técnica para qualquer pessoa que se interesse por ela, como se aprender a usar a técnica fosse tão fácil quanto aprender a fazer tricô. É o caso de certos anúncios do “Método ABA”, para trabalhar com autistas, sem qualquer referência à Análise do Comportamento.

                Travis Thompson, analista do comportamento conhecido por seu trabalho com autistas, publicou um capítulo no Handbook of Classical and Operant Conditioning sobre autismo onde apresenta claramente o desenvolvimento dos trabalhos da Análise do Comportamento nos últimos 60 anos. Thompson adverte: “Não é ético levar pais de autistas a acreditar que seu filho irá ter um desenvolvimento funcional igual a seus colegas no futuro.” A Análise do Comportamento não aborda o “autismo” como se fosse uma “doença” que precisa ser “curada”; trabalhamos com a criança com desenvolvimento atípico como se fosse única, descobrindo com ela até onde pode chegar. Nenhum pacote pode fazer isso.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Futebol, eleições e relações de equivalência.


Tanto o governo quanto a oposição estavam preparados para o período pós-copa. Nos dois casos a questão é a de relações de equivalência. O governo vinha investindo em garantir a associação entre a futura euforia trazida pelo hexacampeonato e a imagem de sua candidata a presidente. A oposição vinha tentando diminuir a reação positiva gerada por notícias da Copa relativizando sua importância para um país carente de educação, saúde, transportes, segurança, infraestrutura, etc. A goleada, tão horripilante quanto inesperada, serviu como um intervalo para que os times políticos trocassem de campo. Agora interessa ao governo relativizar a derrota. No mesmo dia dos 7 a 1 um conhecido petista fez um selfie com a camisa vermelha, sorridente, dizendo não foi nada, isso passa, olha  nós aqui. Inúmeras postagens, nesse dia e nos outros, até agora, batem na mesma tecla. Como se tivessem combinado as regras do jogo, a oposição faz o inverso, reforçando a associação estabelecida no “primeiro tempo” pelo próprio governo entre sua candidata e a Copa, só que agora com todos os aspectos negativos do fracasso. Essas estratégias antagônicas poderiam ser chamadas de “Deixa pra lá” e “Foi ela sim!”, respectivamente.
Um texto em um blog dá um bom exemplo da estratégia “Deixa pra lá”: não vou chorar com os 7 a 1 porque a derrota não foi minha, foi deles. Não há nada de novo nessa fuga do mal estar provocado pela goleada, mesmo porque só quem é torcedor sente o vexame – torcer envolve respondentes, não há papo operante que segure a dor de um 7 a 1. Essa fuga pode até ser parte do contexto de quem curte futebol diariamente, e talvez seja a explicação para os que só se ligam no futebol a cada quatro anos, mas afirmar isso é não reconhecer a importância de pertencer ao grupo, de vestir a camisa mais que figurativamente. Um exemplo de torcedor de verdade, controlado por respondentes, é o flamenguista que contra seus pendores políticos e ideológicos torceu contra a Argentina, pois aquela camisa da Alemanha lembra demais o “manto sagrado” rubro-negro.
Propagandas da oposição do tipo “Foi ela sim!” dizem que agora o futebol se igualou à educação, à saúde, à segurança, etc.; estamos por baixo em tudo. Perdemos por 100 a 0 para a Alemanha em número de ganhadores do Prêmio Nobel (aliás, nesse quesito perdemos a zero também para a Argentina).

Eu pessoalmente preferiria campanhas políticas menos manipuladoras e mais informativas, e projetos para começar a preparar a nova seleção. O sofrimento recomeça com amistosos no segundo semestre. 

sábado, 12 de julho de 2014

O que é consciência?


"Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz"

            Mario Lago,  “Ai que Saudade da Amélia”

“The Cambridge Declaration on Consciousness” é um documento assinado em 7 de julho de 2012 por em pequeno grupo multidisciplinar de cientistas interessados no estudo da consciência em animais. O problema é que não chegaram a um consenso sobre o que é consciência, segundo o idealizador do documento, Philip Low, declarou ao repórter Alex Halberstadt do New York Times.
Consciência é um daqueles termos, como comportamento, que todo mundo acha que sabe o que é, mas cada um usa de maneira diferente. Quando Philip Low e seus colegas chegarem a um consenso sobre a definição volto a escrever sobre isso. Pode demorar, pois até hoje os neurocientistas não chegaram a um consenso sobre o que é “reflexo” e o que é “voluntário”.
            Quando um behaviorista diz que consciência não é explicação, mas um processo a ser explicado, está usando o termo sem negar a importância do que quer que esteja acontecendo no cérebro quando um animal fica imóvel ante um predador, por exemplo. A visão do predador antecede o congelamento e os eventos associados no sistema nervoso. O  conflito entre “se correr o bicho pega” e “se ficar o bicho come” envolve operantes e respondentes, interações entre comportamentos e eventos internos e externos.
            A letra do samba é interessante por mostrar dois sentidos do termo muito comuns em nossa linguagem diária: o estar atento ao que acontece ao seu redor, e o sentido moral. A nova companheira, ao contrário da Amélia, não percebe o mal que faz ao “pobre rapaz”, que infere a falta de consciência pelo que relata do comportamento da moça. A companheira ou realmente não percebe (sentido 1) ou não se interessa pelas consequências, se são ou não socialmente aceitáveis (sentido 2).
Grande parte do que fazemos na Análise do Comportamento, porém, é interpretar eventos internos, como fez Skinner em, por exemplo, “Ciência e Comportamento Humano”, em uma época que as neurociências apenas engatinhavam. Ao contrário do que dizem críticos apressados, não trabalhamos com um modelo “homem-máquina” combatendo um modelo “mente”. Estudamos interações comportamento-ambiente, e o que ocorre por trás da pele (ou sob e na pele) é parte desse ambiente. Ao contrário do espantalho oco pintado pelos que nos criticam, estudamos organismos de carne e osso, muitos nervos, e cheios de desejos, medos, apetites, esperanças, histórias, conhecimentos, e dezenas ou centenas de outros substantivos que a literatura e a arte retratam.
            Talvez não esteja muito claro para esses críticos que quando eu penso para escrever este texto estou me comportando. A diferença é que não aceitamos o pensar em escrever como a causa do escrever. Neste exemplo, pensar e escrever são parte de um encadeamento que é função, dentre outras variáveis de meu contexto, do conteúdo desagradável de um comentário a um texto que escrevi sobre o termo “cognitivo” ser usado às vezes como sinônimo de “comportamental”, ás vezes de “mental”.

http://jctodorov.blogspot.com/2014/07/cognitivo-e-o-novo-mental.html



terça-feira, 8 de julho de 2014

Cognitivo é o novo mental?


         Uma piada de internet antiga ilustra bem como teorias resistem a fatos: um neurônio da periferia avisa ao cérebro que acaba de capturar um fato que pode ameaçar seriamente seu sistema de crenças e valores. O cérebro responde: Jogue fora esse fato.
Um velho amigo meu dizia de uma velha amiga: Ela não deixa nenhum fato da realidade ameaçar sua tão querida teoria.
Dois artigos recentes no New York Times abordam esse assunto:
-  Vinte e seis por cento (26%)  dos americanos com pós-graduação acreditam em alguma forma de criacionismo e rejeitam a teoria da evolução.
- Economistas ligados ao Partido Republicano previram que o programa do banco central americano (FED) de injetar trilhões de dólares na economia iria fazer a inflação disparar. Isso não aconteceu e o programa atingiu seus objetivos, em linhas gerais. É claro que os economistas não abandonaram nem mudaram sua teoria. Como o neurônio da piada jogaram fora o dado referente à inflação dizendo que estava maquiado pelo governo.
O mentalismo é um exemplo desses sistemas de crenças e valores que resistem bravamente aos apelos da realidade. Skinner chamou de radical seu behaviorismo por considerar, ao contrário de seus antecessores behavioristas metodológicos, que o que acontecia no ambiente por trás da pele deveria ser também objeto de estudo de uma ciência natural. A “atividade mental” passa a ser vista e estudada como comportamento. Abandona-se a ideia de um agente interno, a mente, única responsável pelo comportamento observável. Há, porem, um obstáculo quase intransponível para a adoção dessa nova visão: um sistema de crenças e valores característico da civilização ocidental que resiste a toda ameaça ao princípio do livre-arbítrio como explicação para qualquer comportamento. Nem analistas do comportamento que se dizem skinnerianos parecem resistir e se comportam mostrando o que Freud chamou de “displacement” ou o equivalente em alemão: se “mente” é palavra proibida, vamos falar de “cognição”. Pode ser usada como sinônimo com menor probabilidade de punição. Afinal, para um behaviorista fanático “mentalista” é palavrão.
E o que é comportamento? Ver