segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O mentalismo que nos cerca.


                Nos Estados Unidos os eleitores do Partido Democrata são tidos como liberais e os do Partido Republicano como conservadores. No conservadorismo do Partido Republicano cabe uma ala mais extremista, o chamado Tea Party que é contra tudo de novo “que está aí”. No debate atual sobre o aumento na desigualdade de rendimentos no país alguém dessa direita saiu-se com esta pérola: “Se alguém desejar ser pobre ele pode ser; se desejar ser rico ele também pode ser”.  Você é o que desejou ser! Vá ser mentalista assim lá no Alaska (ou no Hawai, que é mais longe).
                Nicholas Kristof, do NY Times, não foi nem ao Alaska, nem ao Hawai, mas já em Oregon, no noroeste dos Estados Unidos, testemunhou essa atitude em Yamhill, sua cidade natal. Pessoas que fizeram algum sucesso na vida acham que devem isso apenas a seu esforço pessoal e sua inteligência, sem considerar que vieram de famílias que os criaram com todo carinho e conforto, liam livros para eles, levavam a praticar esportes coletivos, ensinaram a frequentar bibliotecas e a apreciar música. Segundo o jornalista, “eles foram programados para fazer sucesso na vida desde que eram zigotos”. Já adultos, bem sucedidos, olham para os pobres e miseráveis sem considerar suas circunstâncias e atribuem esse destino a falta de esforço.
                Esse tipo de explicação para desigualdades econômicas, sociais, e/ou culturais existe por todo lado, inclusive no Brasil. Um exemplo disso costuma acompanhar conversas sobre programas compensatórios como o Bolsa Família, originário do Bolsa Escola (Brasilia e Campinas), logo um programa de muitos partidos, alguns adversários. Dizem que o programa dá o peixe quando deveria ensinar o cidadão a pescar. Bom, como diziam os antigos, devagar com o andor. Esmolas, como já cantava Luiz Gonzaga, ou matam de vergonha ou viciam o cidadão. Mas há os casos de miséria tão completa que sem uma ajuda continuada a família não se sustenta. Quando se exige contrapartida, como manter as crianças na escola, vacinar os bebês, frequentar cursos para aumentar a empregabilidade, o dinheiro recebido  não pode ser considerado esmola, não envergonha, ainda que possa viciar a cidadã.

No lugar de dizer que quem recebe o Bolsa Família é vagabundo, tão vagabundo que não deseja trabalhar, melhor seria garantir, via mobilização do povo, que o programa seja fiscalizado adequadamente.

Um comentário:

  1. Excelente colocação, professor. Como escreveu Skinner em Ciência e Comportamento Humano: "Povos atrasados podem representar a falha de uma cultura pobre, mas queremos encarar as elites como algo mais que o produto de uma cultura satisfatória". A ideia de vitória pessoal sobre todas as adversidades com um passado negligente aparece em muitos discursos de "eu venci na vida pela educação, pobres não querem estudar". Ouço este discurso e reflito sobre o tipo de educação que a pessoa 'recebeu' e infiro que não foi do tipo crítica, ou minimamente coerente com uma observação de mundo racional.
    Assim vence o discurso de que a "oração muda o mundo", "pessoas que carregam energias negativas trazem mal aos outros" e "o pensamento pode mudar tudo". É o mundo em que vivemos. Cheio de ditos funcionais para uma minoria.
    Abraço.

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