quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Análise do comportamento e qualidade de vida nas metrópoles.




            A preocupação com a qualidade de vida nas metrópoles sempre existiu, só aumentou com a tendência mundial de êxodo do campo para as cidades. Nos Estados Unidos, especialmente depois da II Guerra Mundial, Wilson & Kelling (1982) argumentaram que a principal causa da queda na qualidade de vida nas cidades se devia a “desordeiros”, não necessariamente violentos nem necessariamente criminosos, mas sem respeito ou imprevisíveis: mendigos, bêbados, viciados, adolescentes desordeiros, prostitutas, vagabundos e os mentalmente perturbados. Essa “população” cresceu a ponto de incomodar porque a policia nunca tinha lidado adequadamente com a questão. Wilson &  Kelling defenderam a ação da polícia para combater esses casos para evitar que se transformassem em problemas mais sérios como crimes graves, no que veio a ser chamado de Teoria da Janela Quebrada, como no título do artigo: Broken windows: The police and neighborhood safety (Janelas quebradas: a polícia e a segurança da vizinhança).

Tolerância Zero

            Em 1986 o Promotor Federal de San Diego, California ficou nacionalmente conhecido por determinar que fosse apreendido todo navio que estivesse carregando qualquer quantidade de drogas ilegais. O programa estadual, denominado Tolerância Zero, se tornou federal pela ação do Procurador da República dos Estados Unidos, Edwin Meese em 1988, que ordenou que veículos e propriedades de qualquer pessoa cruzando as fronteiras com qualquer quantidade de drogas fossem apreendidos e os responsáveis processados criminalmente (Skiba & Knesting, 2001).

Janela Quebrada

            A teoria de Wilson & Kelling (1982) foi um marco nos Estados Unidos na explicação da chamada crise urbana, colocando em evidência a questão comportamento/consequência quando se atribuia o problema a fatores materiais. Weaver (2016) chama a atenção para as duas correntes ligadas a diferentes visões políticas, mas ideologia de lado, as crises urbanas que foram adequadamente tratadas envolveram tanto recursos materiais quanto culturais (relações condicionais comportamento-consequência). Os trabalhos antigos que falam em Janelas Quebradas estavam mais preocupados com a segurança pública nos espaços urbanos – controlar os espaços para controlar os comportamentos. Favelas inteiras foram demolidas e em seu lugar foram construídos arranha-céus que fizeram a fortuna dos que investem no mercado imobiliário e as prefeituras que passaram a arrecadar muito mais impostos. Principalmente depois de Wilson  Kelling (1982) Janela Quebrada também foi chamada de Tolerância Zero – assim como não se deve deixar passar uma janela quebrada sem consertar, não há crime, infração ou ofensa que seja tão inofensivo que não deva ser punido.

As dificuldades para cumprir a lei.

            Uma prisão pode representar o início de uma cadeia comportamental envolvendo agências e agentes públicos ao longo de meses ou anos. As leis geralmente envolvem comportamento complexo - complexo no sentido de que seus artigos descrevem mais do que respostas únicas, especificam as circunstâncias aplicáveis, as consequências e, às vezes, apontam condições atenuantes. O controle envolve uma rede de leis; um único ato ilegal põe em movimento todo um conjunto de órgãos governamentais. Como uma sociedade pode garantir que uma nova lei, aprovada com a intenção de promover mudanças nas práticas culturais, controle o novo comportamento dos cidadãos e dos agentes governamentais? (Todorov, 2005).

A lei é melhor escrita quando trata de comportamento indesejável do acusado e do comportamento dos policiais ao lidar com o problema. Pode-se ver o sistema judiciário de um país como um sistema cultural. Existem no sistema judiciário contingências comportamentais interligadas que definem suas práticas culturais particulares (Todorov, 1987, 2005; Cabral & Todorov, 2015; Carvalho & Todorov, 2016). O sistema judiciário é composto por estruturas físicas e organizacionais, e de seus membros, juízes, advogados, advogados e afins. Mas, como sistema cultural, o judiciário depende inteiramente dos repertórios comportamentais de seus membros. Quando uma nova lei apenas descreve as práticas culturais em curso em uma determinada comunidade, a aplicação da lei não conflita com os repertórios comportamentais dos agentes governamentais encarregados. Isso parece ter acontecido com o procedimento Tolerância Zero. Mudanças nas práticas culturais da comunidade exigem mudanças prévias nos repertórios comportamentais daqueles que devem fazer cumprir a lei. Em um sistema que já é lento, se não arcaico, a tomada de decisão por juízes e advogados, por vezes, segue a linha de menor esforço. (Glenn, 1993; Todorov, 2005).


            Independentemente da redistribuição espacial dos pobres, comportamentos inadequados continuariam a desvalorizar qualquer área urbana (Jackson, Bradford, Hohl & Farrall, 2009). De 1994 a 2001 a maior e mais conhecida experiência de mudança cultural aconteceu em Nova Iorque, comandada pelo prefeito Rudolf Giuliani, usando conceitos e procedimentos já usados por outros governantes em outros estados e cidades: Janela Quebrada, Tolerância Zero, e Qualidade de Vida (Skiba & Knesting, 2001). Dezenas, talvez centenas, de artigos já fora publicados sobre a ação de Giuliani em Nova Iorque, mas praticamente nem um deles aborda dois pontos importantes para o sucesso da grande mudança cultural: um aumento de cerca de 30% no efetivo da polícia (muito mais polícia nas ruas) e um acompanhamento e avaliação contínuos do desempenho de cada policial (Greene, 1999).
            “Tolerância zero’ em si talvez tenha trazido mais problemas que soluções a longo prazo, com queixas de viés racial na ação dos policiais e na total inadequação para controlar a violência nas escolas (Giroux, 2003; Greene, 1999). “Janela Quebrada”, por outro lado foi uma teoria saudada com entusiasmo pelos partidos políticos de direita (predominância do capital sobre o trabalho) e combatida pelos partidos de esquerda (combate à desigualdade de renda).


REFERÊNCIAS

Cabral, M. D. C. & Todorov, J. C. (2015). Contingências e metacontingências no processo legislativo da lei sobre a remição da pena pelo estudo. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 11(2), 195-202.
Carvalho, I. C. V. & Todorov, J. C. (2016). Metacontingências e produtos agregados na lei de diretrizes e bases da educação: primeiro o objetivo, depois como chegar lá. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 12(2), 75-85.
Giroux, H. A. (2003). Racial injustice and disposable youth in the age of zero tolerance. Qualitative Studies in Education,16(4), 553–565.
Glenn, S. (1993). Windows on the 21st Century. The Behavior Analyst, 16, 133-151.
Greene, J. A. (1999). Zero tolerance – A case study of police policies and practices in NYC. Crime and Delinquency,45(2), 171-187.
Jackson, J., Bradford, B., Hohl, K., & Farrall, S. (2009). Does the fear of crime erode public condence in policing? Policing, 3(1), 100–111. doi: 10.1093/police/pan079
Kelling, G., & Wilson, J. (1982). Broken windows: The police and neighborhood safety. Atlantic Monthly, 249(3), 29-38.
Skiba, R. J. & Knesting, K. (2001). Zero tolerance, zero evidence: An analysis of school disciplinary practice. New Directions for Youth Development, 92, 17-43.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: MacMillan.
Todorov, J. C. (1987). A Constituição como metacontingência. Psicologia: Ciência e Profissão, 7, 9-13. (Portuguese)
Todorov, J. C. (2005). Laws and the complex control of behavior. Behavior and Social Issues, 14, 86-91.
Weaver, T. (2016). Urban crisis: The genealogy of a concept. Urban Studies, Special, 1–17, DOI: 10.1177/0042098016640487






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