terça-feira, 14 de janeiro de 2020

O que é metacontingência e por que é (des)necessária?


"O que é metacontingência e por que é (des)necessária?"
Publicada no blog da ABPMC a convite de Diego Zilio

A palavra metacontingência foi proposta em 1986 por Sigrid Glenn (Glenn, 1986) para se referir a efeitos coletivos a médio ou longo prazos de operantes individuais independentes. Em 1987 foi usada como um conjunto de contingências e metacontingências que programa um determinado Produto Agregado (Todorov, 1987). Durante 20 anos aparece principalmente em artigos teóricos, como o que se dedica a explicar o comportamento dos eleitos no Congresso americano (Lamal & Greenspoon, 1992).
Contingência é uma relação condicional entre dois eventos. No caso da contingência comportamental, se um comportamento ocorrer, então uma consequência ocorrerá em tais e quais circunstâncias. Uma consequência pode ocorrer sempre que o comportamento ocorre, ou depois de repetidas ocorrências do comportamento, ou dependendo do tempo decorrido desde a última ocorrência dessa consequência, ou dependendo de inúmeras combinações de tempo e número de respostas, e de relações fixas ou variáveis. Resumindo: o conceito de contingência comportamental abarca infindáveis exemplos de interações comportamento-ambiente, inúmeras das quais estão documentadas em livros e artigos científicos, como, por exemplo, na Revista Brasileira de Análise do Comportamento.
Metacontigência é uma relação condicional entre a colaboração de pelo menos duas pessoas (contingências comportamentais entrelaçadas) que resulta em determinado produto e alguma consequência programada por um ambiente cultural selecionador. Metacontingências podem ser classificadas de acordo com o tipo de relação de consequência (cerimoniais ou tecnológicas) e da especificação do produto agregado (conservadoras ou transformadoras), e de combinações de relação de consequência e especificação do produto (por exemplo, cerimonial conservadora, tecnológica transformadora, etc., Todorov, 2013).
Uma metacontingência não é apenas um jogo de contingências individuais de pessoas diferentes. Uma metacontingência consiste em contingências individuais entrelaçadas, que produzem um mesmo efeito e levam a uma mesma conseqüência (Lamal & Greenspoon, 1992). No caso das práticas culturais, o agente a ser selecionado é o efeito (Produto Agregado) produzido pela prática (as contingências comportamentais interligadas). A variação é proporcionada por permutações no comportamento dos indivíduos que participam da prática (Glenn, 1991, pp. 62-63). Há uma ênfase no processo seletivo do entrelaçamento de muitos operantes e, consequentemente, na transmissão de padrões comportamentais através do tempo, reforçando também a ideia de que a unidade de análise pode ser a relação entre o entrelaçamento e o produto agregado (Glenn, 1988), a descrição das funções de diferentes efeitos ambientais produzidos pelo entrelaçamento (Glenn & Malott, 2004) e uma diferenciação entre processos de variação e seleção que ocorrem em nível individual (relações de macrocontingência) e processos de variação e seleção que ocorrem em nível cultural (relações de metacontingência, Malott & Glenn, 2006; Martone & Todorov, 2007; Glenn et al., 2016)).
Ao descrever as complexas relações comportamentais que ocorrem no terceiro nível de variação e seleção, o conceito de metacontingência coloca-nos frente a importantes questões conceituais e metodológicas:
(1)   o problema da unidade de análise no nível cultural e,
(2)   em se tratando de análise experimental, a variável crítica a ser manipulada no sentido de produzir, em condições controladas de laboratório, a seleção de um entrelaçamento específico de muitos comportamentos ao longo do tempo, desencadeando a transmissão do que Glenn & Malott (2004) denominam de “linhagem cultural” (Martone & Todorov, 2007).

A questão conceitual tem gerado ferrenha reação. Entre os participantes do I Think Tank sobre Cultura e Comportamento em Campinas, 2005, três argumentaram sobre a desnecessidade do conceito de metacontingência (Branch,2006; Marr, 2006; Mattaini, 2006). No Brasil autores que já haviam publicados sobre problemas sociais usando apenas a contingência comportamental também acham desnecessário o novo conceito (Gusso e Kubo, 2007), ou agora afirmam que Skinner preferiu trabalhar só com o conceito de contingência comportamental mesmo quando fala da forço do grupo (Carrara & Zilio, 2016) e que comemoramos 30 anos de metacontingências com um fracasso: o conceito é desnecessário (Zilio, 2018).
            A análise experimental de metacontingências cresceu exponencialmente depois das críticas dos participantes do I Think Tank (Campinas, 2005). Até então só a dissertação de mestrado de Christian Vichi (2004, 2005) na PUC-SP de 2004 mostrava dados experimentais. Em 15 anos foram várias dezenas de teses e dissertações, usando diferentes procedimentos, estudando só metacontingências ou essa relação condicional embutida em procedimento mais complexo. Para citar apenas três dos publicados mais recentemente: Soares et al (2018), Guimarães, Picanço & Tourinho (2019) e da Hora & Sampaio (2019).
Concepts such as operant, culturobehavioral lineage, culturant, and macrobehavior can facilitate an interdisciplinary and multidimensional approach to social issues such as corruption. They cross through disciplines, overcoming the traditionally rigid boundary between psychological, sociological, anthropological, and economic phenomena, clarify aspects that require further investigation and contribute to the unification of the sciences that deal with human behavior in its various dimensions. This is one important way in which the concept of metacontingency and related concepts such as culturant can be useful. This was not mentioned by Zilio (2019), who recently questioned the utility of such concepts. Besides the huge amount of work (experimental, theoretical, and, to a lesser degree, applied) that employed it—as Zilio’s review itself documented—one has to take into account the conceptual coherence of such a transdisciplinary perspective on behavior, society, and culture when evaluating its utility.” (da Hora & Sampaio, 2019).


Referências
Branch, M. N. (2006). Reactions of a laboratory behavioral scientist to a “think tank” on metacontingencies and cultural analysis. Behavior and Social Issues, 15, 6-10. http://dx.doi.org/10.5210/bsi.v15i1.343.
Carrara, K. & Zilio, D. (2016). Análise comportamental da cultura: contingência ou metacontingência como unidade de análise? Revista Brasileira de Análise Do Comportamento / Brazilian Journal of Behavior Analysis, 11(2), 135-146.
da Hora, K.L. & Sampaio, A.A.S. (2019). Perspectives in Behavior Science, 42, 1-21. https://doi.org/10.1007/s40614-019-00225-y
Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in Walden Two. Behavior Analysis and Social Action, 5, 2-8.
Glenn, S. S. (1988). Contingencies and Metacontingencies: Toward a Synthesis of Behavior Analysis and Cultural Materialism. The Behavior Analyst 1988, 11(2), 161-179.
Glenn, S. S. (1991). Contingencies and metacontingencies: Relations among behavioral, cultural, and biological evolution. Em P. A. Lamal (Org.), Behavioral analysis of societies and cultural practices (pp. 39-73). New York: Hemisphere Publishing Corporation.
Glenn, S. S., & Malott, M. E. (2004). Complexity and selection:            Implications for organizational change. Behavior and Social Issues, 13, 89-106.
Glenn, S. S., Malott, M. E., Andery, M. A. P. A., Benvenuti, M., Houmanfar, R. A., Sandaker, I., Todorov, J. C., Tourinho, E. Z., & Vasconcelos, L. A. (2016). Toward consistent terminology in a behaviorist approach to cultural analysis. Behavior & Social Issues, 25, 11–27.  https://doi.org/10.5210/bsi.v25i0.6634
Guimarães, T.M.M., Picanço, C.R.F. & Tourinho, E.Z. (2019) Effects of Negative Punishment on Culturants in a Situation of Concurrence between Operant Contingencies and Metacontingencies. Perspectives in Behavior Science, 42,  1-18. https://doi.org/10.1007/s40614-019-00224-z
Hélder Lima Gusso, H. L. & Olga Mitsue Kubo, O. M.  (2007). O conceito de cultura: afinal, a “jovem” metacontingência é necessária?  Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 9(1), 139-144.  ISSN 1517-5545
Lamal, P. A. & Greenspoon J. (1992). Congressional Metacontingencies. Behavior and Social Issues, 2(1),  71-81.
Malott, M. E., & Glenn. S. S. (2006). Targets of intervention in cultural and behavioral change. Behavior and Social Issues, 15, 31-56.
Marr, M. J. (2006). Behavior analysis and social dynamics: Some questions and concerns. Behavior and Social Issues, 15, 57-67. doi:10.5210/bsi.v15i1.345
Martone, R. C. & Todorov, J. C. (2007). O desenvolvimento do conceito de metacontingência. Revista Brasileira de Análise do Comportamento / Brazilian Journal of Behavior Analysis, 3(2), 181-190.
Mattaini, M. A. (2006). Will cultural analysis become a science? Behavior and Social Issues, 15, 68-80.
Soares, P. F. R., Rocha, A. P. M. C., Guimarães, T. M. M., Leite, F. L., Andery, M. A, P. A., & Tourinho, E. Z. (2018). Effects of verbal and non-verbal cultural consequences on culturants. Behavior and Social Issues, 27, 31-46. doi: 10.5210/BSI.V.27I0.8252
Todorov, J. C. (1987). A Constituição como metacontingência. Psicologia: Ciência e Profissão, 7, 9-13. doi:10.1590/S1414-98931987000100003
Todorov, J. C. (2013). Conservation and transformation of cultural practices through contingencies and metacontingencies. Behavior and Social Issues, 22, 64-73.
Vichi,  C. (2004). Igualdade ou desigualdade em pequeno grupo: um análogo experimental de manipulação de uma prática cultural. Dissertação de Mestrado,   Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
Vichi, C. (2005). Igualdade ou desigualdade: manipulando um análogo experimental de prática cultural em laboratório. Em J. C. Todorov, R. C. Martone         & M. B.Moreira (Orgs.), Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade. Santo André: ESETec.
Zilio, D. (2019). On the function of science: An overview of 30 years of publications on metacontingency. Behavior & Social Issues, 28,1 –31. https://doi.org/10.1007/s42822-019-00006-x.






Nenhum comentário:

Postar um comentário