terça-feira, 1 de abril de 2014

Como reconhecer um analista do comportamento

Para o behaviorista um assunto muito rico e interessante é o uso de termos e conceitos por outros psicólogos quando oferecem explicações para comportamentos. Reconhecer que não temos resposta para uma questão é tão importante quanto saber a resposta; se não reconhecemos a ignorância fica difícil sair dela. É melhor ficar sem resposta para uma pergunta quando não se tem certeza da resposta. Isso vale tanto para o pesquisador estudando um fenômeno quanto para o profissional atendendo um cliente. A Análise do Comportamento não é uma teoria acabada, é um modo de buscar respostas. Ideias, conceitos e teorias, como resultados de comportamento humano, estão sempre submetidos ao processo de seleção por consequências, inclusive a teoria skinneriana dos três níveis de seleção por consequências.
Com certa frequência faz-se menção à Análise do Comportamento como Análise Experimental do Comportamento, um método, uma área, uma filosofia, uma tecnologia (por exemplo, o “método ABA” para o tratamento do autismo). Essa prevalência da parte sobre o todo se deve provavelmente a uma ênfase na experimentação. Supõe-se que o analista do comportamento manipula alguma variável independente e observa cuidadosamente o efeito em alguma medida do comportamento. A Análise do Comportamento tem alguns pontos muito distintos de outros que prosperam na psicologia, como pesquisas de laboratório animal com análise experimental do comportamento de indivíduos (n = 1) – mas não se resume apenas à análise experimental do comportamento de indivíduos, nem no laboratório, nem no consultório clínico. Sua marca mais distinta é a linguagem teórica, o cimento que une todos os tipos de atividades compreendidas sob essa rubrica, marca, ou o que seja.
            Experimentação com n = 1 é a grande contribuição de Skinner para a psicologia experimental dos anos 30 do século passado. Trouxe de seus estágios nos principais laboratórios de biologia de Harvard. Junto com a taxa de respostas por unidade de tempo e os esquemas de reforço intermitente, forma o trio de ouro de Skinner. Mas nem ele ficou só na análise experimental do comportamento de organismos individuais (n = 1). Logo de início em Ciência e Comportamento Humano Skinner mostrou como se pode avançar analisando exemplos da vida diária à luz da teoria. E é essa teoria, que começa a ser desenvolvida em O Comportamento dos Organismos (1938) e continua sendo desenvolvida até hoje, e continuará a ser desenvolvida pelas futuras gerações, a teoria que faz a conexão entre os diferentes campos de atuação da Análise do Comportamento: pesquisa básica, pesquisa aplicada, atuação profissional, análise funcional, análise conceitual, etc.
            A Análise do Comportamento é mais do que análise experimental. Ao escrever sobre o comportamento humano Skinner (1953) foi muito claro a esse respeito. Parafraseando Skinner, descrevo a Análise do Comportamento como um conjunto de atitudes, uma disposição para estudar comportamentos ao invés de lidar com o que alguém disse sobre o comportamento, uma vontade de aceitar os fatos sobre o comportamento mesmo quando esses fatos se opõem aos nossos desejos, uma disposição para ficar sem uma resposta até que uma satisfatória seja encontrada. É uma busca de ordem, de uniformidades, de regularidades, de relações funcionais entre ambiente e comportamento (Skinner, 1953, pp. 12-13). Uma ciência do comportamento trabalha com informações provenientes de várias origens: observações casuais, observação de campo controlada, observações clínicas, observação em instituições sob condições rigidamente controladas, e estudos de laboratório (Skinner, 1953, p. 37).
            Qualquer que seja a área, o objetivo, o método, o analista do comportamento trabalha com alguns conceitos básicos, suas ferramentas de ofício. O primeiro é o de contingência. Uma contingência é uma relação condicional entre eventos no ambiente afetando comportamentos respondentes, ou entre eventos no ambiente e comportamentos operantes. No laboratório o pesquisador controla e manipula contingências; na prática profissional o analista do comportamento identifica, analisa, modifica, ou ensina seu cliente a identificar, analisar e modificar contingências. O analista do comportamento reconhece que um estímulo pode ter múltiplas funções, como ser eliciador de respostas reflexas, reforçador (quando consequente) ou discriminativo (quando antecedente) de respostas operantes, e reconhece o poder multiplicador e o controle exercido por abstrações derivadas de contingências quádruplas bem como o papel de operações motivadoras e estabelecedoras.

            E o comportamento, o que é? O que é comportamento? Tudo o que a pessoa faz que possa ser analisado, inclusive o que ela diz, o que ela pensa, o que ela fala para si mesma, inclusive o que ela fala sobre o que pensa. 

39 comentários:

  1. Muito boa a descrição de como reconhecer um analista do comportamento. Acredito até q temos um olhar privilegiado de ver e de estar no mundo, ou pelo menos, deveríamos ter!!!

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    1. Obrigado. Espero que o texto ajude uma aproximação maior entre os pesquisadores e os que praticam a profissão.

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    2. Simplesmente fántastico seu texto Todorov, você coloca o analista do comportamento em uma posição privilegiada, de muitas qualidades e sensibilidade,a observação é a chave para uma boa análise funcional. Obrigada pelas contribuições literárias, um dia quero assistir sua palestra!!!

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  2. Texto maravilhoso, sintético e irretocável. Obrigada por existir para a Análise do Comportamento brasileira, prof. Todorov!

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    1. Obrigado, Aline. Se vocês continuarem a me reforçar vou continuar publicando!

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  3. "se não reconhecemos a ignorância fica difícil sair dela. É melhor ficar sem resposta para uma pergunta quando não se tem certeza da resposta." Todorov, me tornei seu seguidor! Muito bom texto.

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    1. Acho que você vai gostar de outra postagem no meu blog na qual tratei da felicidade dos que não sabem que não sabem!

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    2. Olá, gostaria de saber qual o nome deste texto que o senhor está falando.

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    3. Talvez seja "O peixe, o curral e a guerra".

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  5. Muito bom Prof. João Claudio! Seus textos são ótimos!

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  6. Muito bom! Grifei o seguinte trecho: "A Análise do Comportamento não é uma teoria acabada, é um modo de buscar respostas. Ideias, conceitos e teorias, como resultados de comportamento humano, estão sempre submetidos ao processo de seleção por consequências, inclusive a teoria skinneriana dos três níveis de seleção por consequências."

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    1. Pois é, nada de achar que ler Skinner te dá todas as respostas. É bom ler procurando perguntas ainda não respondidas.

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  7. Isto deveria ser um mantra entre os analistas...rs...Enviarei seu texto aos amigos analistas como gift professor! Congrats! excelente síntese! bom texto como sempre!

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    1. Obrigado, Louise. Apareça nas discussões de sexta feira.

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  8. Adoro os textos... Claros, precisos e muito esclarecedores.

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  9. As contribuições do Prof. Todorov, como sempre, são valiosas. O fragmento abaixo nós convoca a uma reflexão crítica sobre os limites de nossa atuação. Parabéns pelo texto Professor.
    ...Reconhecer que não temos resposta para uma questão é tão importante quanto saber a resposta; se não reconhecemos a ignorância fica difícil sair dela. É melhor ficar sem resposta para uma pergunta quando não se tem certeza da resposta...

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  10. Obrigado pelo ótimo texto, professor! Didático, conciso e instigante! Parabéns!

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  11. Olá professor,
    Gostei bastante do seu texto “Como reconhecer um analista do comportamento”. A postura de rechaçar qq tentativa de investigação que não siga os cânones da AEC (sujeito único, sem análise estatística, método experimental, etc.) atrapalha muito a área fazendo que nos isolemos desnecessariamente de outros pesquisadores que investigam temas semelhantes com bases teóricas compatíveis. Esbarrei nessa questão ao estudar o conceito de personalidade na monografia da Rafaela: há muita pesquisa na área que, embora utilize métodos diferentes, chegam a resultados plenamente compatíveis com a AC. O mesmo acontece nas áreas de pesquisa em Emoção e no estudo de Fenômenos Sociais. Atualmente estou trabalhando junto a Psicologos Sociais no centro de Julgamento e Tomada de Decisão da Tilburg University e vejo que é muito mais fácil encontrar citações behavioristas (Hernnstein, Rachlin, Skinner, etc) em artigos deles do que o contrário.

    Um grande abraço e parabéns por levantar essa discussão.

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  13. Excelente texto professor Todorov, eu como iniciante no estudo da Análise do Comportamento, sempre recorro aos seus textos para aprofundar meus conhecimentos.

    Obrigado por compartilhar sua sabedoria conosco. A comunidade agradece.

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  14. Vou usar esse texto em futuras discussões iniciais com meus alunos em minhas disciplinas.

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  16. Sempre que eu leio os textos que o senhor escreve me faz sentir mais admiração e gostar mais de Análise do Comportamento e sinto muita honra de saber que o senhor foi coordenador do meu curso no Iesb e aproveitando pra dizer q o senhor faz falta!! Há e sempre olho as suas publicações no facebook, sou sua seguidora online rsrsrs Sucesso sempre professor!

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  17. Prof.Todorov!

    É muito bom poder contar com as suas contribuições para nossa ciência e aprendizado.

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  18. Muito bom, Prof. Todorov!
    Claro e conciso.

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  19. Adorei, Prof. Todorov!
    Abraços!

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  20. Excelente texto professor, vou imprimir e distribuir aos meus alunos... E divulgar!

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  21. Este comentário foi removido pelo autor.

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  22. Gostei desta parte , Uma contingência é uma relação condicional entre eventos no ambiente afetando comportamentos respondentes, ou entre eventos no ambiente e comportamentos operantes.

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  23. TODOROV. O que achei mais interessante foi a maneira poética com que ele conseguiu explicar descritivamente algo sintético. Uma leitura reforçadora!

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    1. Obrigado, Danilo. Procuro escrever pensando no aluno de primeiro semestre.

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  24. ótimo texto,é uma síntese da teoria e da técnica comportamental.

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  25. Amei.. vou usar na minha aula para revisar e esquentar.. :) Obrigada professor.. :)

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  26. Amo esse texto. Leio sempre porque me inspira, esse e o do Papa. Obrigada por compartilhar, Todorov

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