Este
relato busca recuperar algo que aconteceu há 50 anos e que aparece na biografia
do Prof. Fred S. Keller, agora contado do meu ponto de vista. Estávamos em São
Paulo, devidamente enquadrados pela Profa. Carolina Martuscelli Bori, prontos
para a viagem para Brasília, quando o golpe militar surpreendeu a todos. Os
Keller já tinham chegado, indo para Brasília via São Paulo. Não sei o que
aconteceu nos primeiros 15 dias depois do golpe militar de 1o de
abril de 1964. Luiz Otávio de Seixas Queiroz, meu colega de apartamento em São
Paulo, e eu nos mudamos para uma casa de
amigos. Notícias de colegas presos provocavam esse tipo de comportamento. Como
terceiro vice-presidente do Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP (aquele da Rua Maria Antonia) tinha herdado a presidência por
desistência em série do presidente e outros vices durante a Greve do Terço da
UNE, a greve pela participação dos estudantes nos órgãos colegiados da
universidade. Era também membro da Ação Popular (fundada como braço político da
Juventude Universitária Católica, a JUC) que se iniciava em São Paulo por
influência do Betinho (o irmão do Henfil). Até terminarem as notícias de prisões ficamos
isolados, pois dizem que o seguro morreu de velho – afinal o prédio da UNE no
Rio foi incendiado.
Não me
lembro como restabelecemos os contatos. Muito provavelmente procurei os Keller,
pois habitualmente eram meus caronas para a Cidade Universitária – moravam no caminho.
Não falavam quase nada de português, uma excelente oportunidade para
desenvolver meus inglês incipiente. Nessas conversas fiquei sabendo, do lado
deles, o que acontecia. As entradas do diário de Keller até 27 de abril mostram
que estavam todos desorientados. Muito boatos, poucas notícias (Keller, 2009,
p. 275). Não sabiam se os planos continuavam ou não, nem o que deveriam fazer
em cada caso. Darcy Ribeiro enquanto reitor da UnB havia convidado Carolina
Bori para implantar o Departamento de Psicologia e continuou a apoiar o projeto
como Chefe da Casa Civil do Presidente João Goulart.
Em sua biografia Keller (Keller,
2009, p. 276) fala dessas conversas comigo. Esclareci que com o golpe ficamos
desorientados, sem saber o que aconteceria com a Universidade de Brasília. A
falta de notícias da Profa. Carolina provavelmente significava que ela também
não tinha notícias. No dia 19 de abril Keller participou em São Paulo de uma
reunião com Zeferino Vaz, na qual estavam lideranças como Crodowaldo Pavan e
Antonio Cordeiro. Aí parece começar um período de mal entendidos que quase mata
o projeto:
“It was a period of confusion, of
misunderstanding, and poor communications. As a result of that evening with
Zeferino (in which Carolina was not present), the Americans were subjected to a
gelo (a coolness, a cold shoulder) by
the Brazilians and decided to withdraw from the project. We began procedures
for our departure from Brazil. Our colleagues, in turn, decided to remain in
São Paulo instead of going to Brasilia” (Keller, 2009, p. 275).
O dia 27 de abril parece
ter sido decisivo para a continuação do projeto no qual todos já tinham
investido tanto. Keller fez uma palestra na PUCSP falando dos planos para
Brasília (dos quais, segundo ele, já tinha desistido). Carolina Bori estava na
audiência, com lágrimas nos olhos, segundo Keller.
“João Claudio drove us home, where I
was able to extract from him the source of our misunderstanding” (p.276).
Por extract acima entenda-se
o meu inglês. Naquela mesma noite Gil Sherman telefonou para os Keller
exultante para dizer que os planos continuavam e iríamos todos para Brasília.
Os Keller chegaram em 6 de maio de 1964.
Já ouvi
histórias sobre o comparecimento dos Keller a uma festa do Consulado Americano
no dia 4 de abril, deixando furiosos seus colegas brasileiros. O diário de
Keller registra uma festa no dia 4 onde “Everyone was there – alunos,
professores, pessoas do Consulado Americano, e os amigos de 1961. Não diz quem
organizou a festa, qual o motivo (homenagear os Keller?) nem desde quando
estava marcada. Certamente quem foi circulava sem medo de ser preso. Como eu
não circulava nesses dias, não tenho mais o que acrescentar.
Por
ocasião dos 50 anos do golpe militar que nos legou uma ditadura que durou 21
anos é importante contar para os mais jovens a falta que faz a democracia. Em
sua coluna de 30 de março de 2014 a jornalista Tereza Cruvinel, ex-aluna da
UnB, escreveu:
“... a
hora é de recordar para não esquecer, para que não sejam esquecidos os que
foram sacrificados e para que não vinguem as narrativas que tentam relativizar
os fatos. É preciso dizer que houve aqui uma ditadura que violou o estado de
direito, cometeu crimes contra a humanidade, censurou, torturou e matou. “
Segundo
a jornalista Tereza Cruvinel, nesses 21 anos ocorreram 5248 cassações de
mandatos e de direitos políticos, 5031 denúncias de torturas, 144 pessoas foram
dadas como desaparecidas e 203 foram assassinadas por agentes da ditadura
militar.
A UnB foi a universidade que mais sofreu durante a ditadura, com demissões de professores e expulsão de alunos. Até hoje não sabemos o que fizeram com o corpo do aluno Honestino Guimarães.
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Keller, F. S. At my own pace,
Vou compartilhar.
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