Em artigo publicado na revista online Comportese:,
Carlos Augusto de Medeiros escreve contra o uso de animais no ensino e
na pesquisa. Sem mencionar a instituição, fala de seu arrependimento por ter no
passado ensinado no IESB com o uso de animais. Talvez traído pela memória diz :
“Infelizmente, aquela instituição onde trabalhávamos havia investido uma boa
soma em caixas de Skinner importadas e voltamos a usá-las para o azar de muitos
ratos."
Surpreso com a
afirmação, pois à época eu era Coordenador do Curso de Psicologia do IESB e sei
muito bem que não foi isso que aconteceu, pedi a opinião do Prof. Márcio Borges
Moreira, parceiro do Prof. Carlos Augusto de Medeiros no livro que usavam para
ensinar Análise do Comportamento. Transcrevo a seguir os comentários do Prof.
Márcio:
Não resta dúvida de que questões éticas em pesquisa e ensino, não só com
animais, mas também com humanos são essenciais para o desenvolvimento dessas
áreas. No entanto, tenho deixado a discussão sobre ética (com humanos também) e
pesquisa com animais para outras (muitas) pessoas - principalmente em
Psicologia, pois acho, como colocado pelo senhor, que há muita hipocrisia, além
de não haver uma base clara para a discussão. Outro problema: as pessoas
parecem “perder o bom senso” ao ouvir a palavra pesquisa. Não posso fazer uma
pesquisa confinando humanos, com a permissão deles, no lab. e pagando por isso,
mas posso fazer exatamente o mesmo se chamar de reality-show! O pai pode
presentear o filho que foi bem na escola, mas não posso dar brinquedos para uma
criança em uma tarefa experimental que não apresenta nenhum risco físico ou
psicológico; posso pagar alguém para trabalhar em condições insalubres em uma
mina de carvão, mas não posso pagar alguém para participar de uma tarefa
experimental com papel e caneta - apenas para citar alguns exemplos.
Quanto ao que foi dito do IESB, o que está errado é dizer
"Infelizmente, aquela instituição onde trabalhávamos havia investido uma
boa soma em caixas de Skinner importadas e voltamos a usá-las para o azar de
muitos ratos."
Para sorte de muitos alunos, voltamos a utilizar as caixas de Skinner. O
desenvolvimento dos softwares, desde o início, foi para resolver o problema
naquele semestre. Os resultados foram tão bons que decidimos usar os softwares
com humanos como atividade extra. Salvo engano, não demos continuidade porque
seria muita coisa para um semestre. Preferimos ficar com os ratos. Uma coisa
que ninguém está comentando é que com o comportamento humano acontece muito
mais coisa do que com o rato (efeito de história e controle por regras, por exemplo).
Esse me parece um ponto chave para a discussão.
Contrariando minha regra de não fazer comentários sobre essas questões,
abaixo estão alguns comentários rápidos sobre alguns trechos do texto do
Guto:
"Porém, não resta dúvida de que muitas pesquisas com esse perfil
utilizam animais de forma desnecessária, produzindo um conhecimento com
manipulações tão específicas de variáveis que nunca poderia ser generalizado
para humanos."
Qual a base empírica para essa constatação? De alguma forma o senhor já
contra-argumenta isso no seu texto.
"A velha desculpa do conhecimento pelo conhecimento não é
suficiente para justificar, em absoluto, a exposição de animais não humanos a
um sofrimento desnecessário."
Esse é um ponto que não vale a pena discutir: o conceito de
"desnecessário" invalida a discussão. Mesmo chegando-se a um acordo
de que há sofrimento, pelo menos em algum grau, fica um "eu acho
necessário (justificável) e você não, e aí?"
"Mesmo que as pesquisas com não humanos produzam conhecimentos úteis
na descrição do comportamento humano, ainda cabe a questão: o que torna a vida
de um animal mais dispensável que a de um humano?"
Essa é uma pergunta absolutamente profunda e filosófica! Mas supondo que
haja apenas duas respostas possíveis, nada ou "algum coisa", eu diria
que se a resposta for "nada", toda a cultura e modo de produção de
boa parte do mudo tem que mudar: animais para tração, alimentação - o próprio
animal -, sequestrar os filhos da galinha para fazer omelete, jogar inseticida
para matar ratos em casa, pegar nas tetas da vaca sem a permissão da mesma para
extrair seu leite, arrancar sem dó nem piedade uma pobre tilápia de seu habitat
natural para jogá-la na frigideira, etc.. Ah! E os deliciosos camarões? Pobres
crustáceos! Deram azar de não serem mamíferos. Aliás os defensores dos animais,
ou pelos menos grande parte deles, deveriam ser chamados de defensores dos
mamíferos. E os insetos, que compõem o maior e mais largamente distribuído
grupo de animais do mundo? O que fazer com seus zunidos e picadas? E o
bicho-da-seda? Pobre ser subserviente cuja única função nesse mundo é nos
servir para que não andemos pelados!
"Os sujeitos não humanos de pesquisa são gerados para passar a vida
toda em uma gaiola que mal comporta as suas dimensões; pouco interagem com
outros de sua espécie…"
Assim como a maioria dos bichinhos de estimação…
"Os experimentos didáticos são replicações de estudos de mais de
meio século. Esses experimentos já foram filmados e estão disponíveis em
diversas mídias, inclusive no Youtube."
Se for só para ver, tudo bem, mas o importante não é a demonstração, e
sim a prática do aluno. Eu mesmo sou responsável por boa das filmagens
disponíveis hoje no Youtube. Complementam, mas não substituem a prática.
"Em primeiro lugar, os experimentos costumam ser feitos em grupos,
nos quais há divisões de tarefas."
Um problema operacional do professor com grandes turmas não invalida a
relevância das práticas com animais e permaneceria com a prática com humanos.
"Se nós somos analistas do comportamento e gostamos de bichos,
devemos, pelo menos na nossa alçada, contribuir para o fim de sua
exploração."
Particularmente penso que a questão não tem relação nenhuma com gostar
de bichos ou com ser analista do comportamento.
Enfim, abusos existem e devem ser combatidos com agilidade e força. No
entanto, generalizar todo o uso de animais em pesquisa como abusivo ou
desnecessário já é demais. As respostas, de ambas as partes (dos prós e dos
contras), talvez não sejam de utilidade porque a pergunta, pelo menos no
momento, está errada (devemos fazer pesquisas com animais ou não?). Seria mais
producente fazer perguntas como “quais as alternativas?”, “há estudos que
possam validar a eficácia da alternativa?”, “é possível se fazer estudos para
descobrir alternativas?”, "como desenvolver métodos que nos ajudem a pesar
de forma um pouquinho melhor se os benefícios de uma pesquisa justificam seus
procedimentos?".
Não havendo no momento alternativas, deveria ser questionado se um
determinado uso específico de animais em pesquisa segue ou não padrões
internacionais. Se segue, e ainda assim se considera errado, o primeiro passo
seria questionar os próprios padrões e os órgãos responsáveis por eles, e não
fazer apelos passionais para aqueles que realizam seus estudos seguindo todas
as regras de cuidados com os animais.
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