quarta-feira, 14 de maio de 2014

Mais sobre os peixes, o curral e a guerra: as guerras dos preconceitos.


Já escrevi sobre as contingências sociais que regulam as interações de pessoas em qualquer grupo (uma nação, uma empresa, uma igreja, uma torcida de futebol, uma abordagem da psicologia, uma etnia, etc., etc, etc.).
Os preconceitos oferecem a oportunidade de ver como funcionam esses controles em qualquer sociedade. O exemplo do jovem americano que desiste de fugir para o Canadá tem vários paralelos, como o garoto que não ajuda um colega vítima de bullying por medo de seus colegas que comandam o bullying, ou do torcedor que não faz nada quando seu amigo chama um jogador de macaco. Nos três casos, e em inúmeros outros casos que poderiam ser citados, estão em jogo as contingências sociais  em vigor no grupo ao qual a pessoa pertence e que determinam o que é incentivado e o que é punido. Reforçamos a permanência do preconceito quando nos omitimos. Os prejuízos para as vítimas são sérios; não os ver é parte da omissão (não sentimos “o cheiro do curral”, não percebemos a “agua”).
O New York Times de 7 de maio de 2014 traz na capa matéria sobre a Ministra Sonia Sotomayor do STF americano (Supreme Court) de ascendência “latina” (um termo geralmente usado para designar pessoas que falam espanhol e não são brancas) mas americana de várias gerações. A ministra estudou beneficiada pelo sistema de cotas nas universidades. Falando dessa experiência afirmou: “Raça é importante pelas indiferenças, pelos risinhos desrespeitosos, pelos silêncios que te julgam, os quais reforçam o sentimento que incapacita: “Este não é o meu lugar”. Apesar disso a Ministra Sotomayor é favorável à manutenção das cotas nas universidades. Já o Ministro Clarence Thomas, um negro também beneficiado por esse sistema na universidade, é contra: “Quando negros ocupam um lugar de destaque no governo, na iniciativa privada ou na universidade, sempre fica a dúvida sobre que papel sua cor teve nos critérios de escolha” – uma questão que parece perseguir nosso Ministro Joaquim Barbosa no STF: se não fosse negro chegaria aonde chegou?
                Leis como a da ação afirmativa são importantes, assim como as leis que definem o racismo como crime, mas nada vai mudar se não forem respeitadas, se não houver fiscalização. Nos casos do racismo, do tratamento dispensado ao diferente, da perseguição ao mais fraco, o combate não pode ser deixado apenas aos agentes do Estado. Depende de cada um de nós. Por isso as ongs são importantes, ao canalizar esforços individuais para mudar, a médio e longo prazos, as contingências sociais que prevalecem.



4 comentários:

  1. Obrigada Prof. Todorov! Um artigo para refletirmos sobre a necessidade de mudar de atitude. Destaco os trechos: "Depende de cada um de nós"; " Reforçamos a permanência do preconceito quando nos omitimos. Os prejuízos para as vítimas são sérios; não os ver é parte da omissão (não sentimos “o cheiro do curral”, não percebemos a “agua”)."
    Aquele abraço!
    Dênia Falcão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Dênia. Preconceito é principalmente questão de educação, e de todos nós.

      Excluir
  2. Felomenal, diria o nosso saudoso José Wilker. A dúvida que parece perseguir o nosso presidente do STF é importante varíavel para uma tentativa de interpretação do seu comportamento enquanto supremo.

    ResponderExcluir
  3. Grata prof. Todorov! Postagens sempre muito bem articuladas com as questões em pauta, no cotidiano, nas mídias, e, nas dúvidas de cada dia!!!

    ResponderExcluir