2010/10/5 Gustavo Tozzi Martins
Digníssimos professores Carlos Augusto e Márcio,
É com grande satisfação que entro em contato com os senhores para lhes pedir uma ajuda na aplicação conceitual do que chamamos de reforçamento natural. Essa discussão foi levantada em sala pelos alunos e parece divergir com textos estudados tanto em nível básico quanto textos especializados na formação clínica e educacional. Gostaria de deixar clara minha posição humilde (do latim húmus, terra, no sentido de ter pés no chão) em buscar ajuda sobre um tema que aprendi em um contexto aplicado bastante limitado.
Reforços naturais foram definidos por Ferster (1967) como consequências inerentes à própria atividade realizada pelo sujeito. O qualificador “natural”, dessa forma, indica que as consequências intrínsecas da resposta funcionam como fortalecedores da mesma (Horcones, 1992). Logo, o reforço natural não estaria relacionado à adequação do contexto em que ocorre (ou não), diferenciando dos reforçadores artificiais (arbitrários) somente quanto à sua mediação e programação.
Skinner (1972) considera que certos reforçadores imediatos automáticos como mantenedores de muitas classes de respostas funcionam como reforçadores naturais. Em seu exemplo no qual sustenta que boa parte do aprendizado escolar envolve importantes reforçadores naturais diz o seguinte: “Que tem a escola à sua disposição para reforçar uma criança? Convém olhar para as matérias a serem aprendidas, pois é possível que forneçam considerável reforço automático. As crianças brincam durante horas com brinquedos mecânicos, tintas, tesoura e papel (...) com quase tudo que as informa das modificações substanciais que elas provocam no ambiente e que sejam razoavelmente isento de propriedades aversivas” (Skinner, 1972).
O reforço natural, conforme visto anteriormente, se aproxima muito do conceito de reforçamento automático. O uso de reforçadores naturais na clínica tem sido diferente quanto à natureza dos reforçadores, uma vez que há mediação para os mesmo. O ambiente social, por exemplo, é uma fonte de análise para a capacidade na manutenção dos repertórios trabalhos em consultórios para ampliação de controle para contextos mais naturais do cliente, conforme previsto pelo modelo da FAP, por exemplo (Kohlenberg & Tsai, 2001). Nesse caso reforçamento natural não se aplicaria, pois dependeria da mediação de terceiros (correto esse raciocínio?). Reforçamento automático (ou natural) no comportamento verbal da pessoa (falante), por exemplo, poderia ser a pessoa ficar sob controle do seu timbre de voz enquanto fala com seu interlocutor (ouvinte) e não pelos reforçadores mediados por este.
Posso deduzir então que o que define os reforçadores naturais é a sua própria natureza intrínseca à resposta, tendo o organismo como ambiente primeiro para fonte de reforçadores? Não há neste caso um esvaziamento conceitual ao que chamamos de reforçamento automático?
Conversei com outros profissionais e professores e dúvidas como essas surgiram. Vejo uma boa oportunidade para discutirmos esse assunto de forma a buscarmos pontos relevantes nas definições conceituais trabalhadas em nossa área e, ao mesmo tempo, instigar os alunos a questionarem sobre assuntos que são discutidos na análise do comportamento. Por fim, gostaria de lhes pedir autorização em socializar as discussões para que os alunos possam ter acesso.
Forte abraço,
Gustavo Martins
Oi Gustavo,
Lendo os conceitos apresentados por você as primeiras idéias que me vieram foram:
1. o qualificador "natural" não parece ser um bom termo. Primeiro porque utilizamos ele em ciência como oposto a sobrenatural; segundo porque pode haver uma confusão entre reforço natural versus reforço em uma situação natural (e natural aqui não em oposição a sobrenatural).
2. o qualificador "automático" também é problemático, como qualquer outro que comece com "auto", pois desvia a atenção de variáveis (explicações) alternativas.
3. Não consigo pensar agora em alguma utilidade para distinguir entre natural e arbitrário quando falamos de uma consequência explicita como nota em uma prova, por exemplo. Também não vejo muita utilidade em mediado por outra pessoal ou não.
Acho que o problema prático se coloca quando não somos capazes de identificar uma consequência reforçadora para um determinado comportamento e lançamos do atividade "autoreforçadora". Numa situação como aquelas descritas pelo princípio de premack (em que uma atividade de alta frequência pode ser reforçadora para outra de baixa frequência), em termos de análise funcional, fica muito claro qual é a consequência reforçadora. No entanto, se o comportamento de alta frequencia for, por exemplo, caminhar em uma roda de atividade, teríamos alguma dificuldade em especificar as consequências reforçadoras.
Talvez a questão principal não seja automático ou não, mas o próprio conceito de consequência. De qualquer forma, antes de pensarmos que uma atividade é per si reforçadora, devemos sempre ter em mente que outros princípios comportamentais ao fazermos a análise funcional:
1. Esquemas de reforçamento (imagine que alguém veja as pressões à barra de 20 a 30 em FR 50! Ela provavelmente suporia autoreforçamento);
2. Condicionamento respondente
3. Generalização e
4. Encadeamento de respostas
Bom, não sei se contribuí de alguma forma, mas é isso aí...
Um abraço,
Márcio
(p.s. fique à vontade para compartilhar esse e-mail com quem desejar)
Olá Todorov,
ResponderExcluirlegal ter disponibilizado a discussão aqui em seu blog.
De fato é comum nomearmos como "resposta mantira por autoreforço" aquela cujo reforçador não fora identificado; muitas vezes, por imperícia na análise.
Não basta falar que a resposta é mantida por reforço.
Muito bom!
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho! Leio seustextos desde a graduação.
Boa discussão
ResponderExcluirAcredito que nessa discussão temos quase sempre questões relacionadas a definição de respostas ou classes de respostas. Definimos uma resposta já relacionando-a a um conjunto de efeitos no mundo, no nosso modelo clássico a "a barra pressionada" já é um efeito no mundo definidor da classe de resposta pressão a barra, a conseqüência selecionadora 'extrínseca' é a água.
Esses dois efeitos sugerem duas relações distintas, no caso da água a uma relação de dependência com a classe de resposta,e no caso da barra pressionada, ou click da barra, são efeitos que dependem e necessariamente ocorrem com a resposta. Os efeitos de condicionamento que o click da barra pode ganhar são bem demonstrados e não haveriam porque serem diferentes de outras alterações no mundo.
No laboratório é só uma questão de manipulação separar tais efeitos, na vida cotidiana ou em situações aplicadas fica muito difícil ou mesmo impossível separa-los, mas acredito que não devemos parar de supor que efeitos que necessariamente ocorrem com as respostas, ou mesmo fazem parte da definição da classe de resposta, tenham função reforçadora.
(postado por Marcelo Benvenuti)
ResponderExcluirJoão Claudio, Gustavo e Márcio,
essa discussão sobre reforço automático, natural etc dá pano para manga...
Tenho a impressão que muitas vezes a questão do reforço natural versus arbitrário esconde o fato que, em contextos naturais, o comportamento está sendo mantido por reforço negativo administrado pelo psicólogo ou por outra pessoa no comando da situação. A consequência planejada como reforço positivo não funciona como tal, resta o controle por evitação ou fuga de bronca, suspensão de outros reforçadores etc. Todos os exemplos analisados pelo Ferster (1967) e, mais tarde, por Ferster, Culbertson e Boren (1979), a meu ver, envolvem isso. Vejamos o exemplo do menino que, em sessão de terapia, não queria vestir o casaco (Ferster, C e B): o menino entra em uma contenta com o terapeuta porque, na ausência de reforço positivo natural, o terapeuta é obrigado a usar reforço arbitrário. É isso mesmo ou, na ausência de reforço por usar casaco o terapêuta é obrigado a usar ameaça para que o menino vista o casaco (mesmo que leve)? O problema não é se a mudança ambiental que mantém o comportamento é a adição de algo "natural" ou "arbitrário" (o que me parece uma falsa questão), mas se o comportamento é ou não mantido por reforço (ou se, por outro lado, o comportamento não tem qualquer outra função a não ser dar conta das demandas do terapêuta que não tinha qualquer outra escolha a não ser colocar a criança em uma situação aversiva da qual ela escapa obedecendo).
Problemas levantados para o uso de reforço arbitrário quase sempre são os mesmos gerados pelo uso de controle aversivo (controle limitado a certos contextos e dependente da fonte reforçadora original, restrição de repertório etc). Falar de "reforço arbitrário" pode ser, em si, uma esquiva de analisar práticas coercitivas que estão implícitas em práticas psicológicas.
Tenho a impressão que a diferenciação entre natural e arbitrário tem uma justificativa histórica importante (Todorov mostrou um contexto importante em que surgiu a discussão). Contudo, tenho dúvidas se essa diferenciação é, hoje, importante e conceitualmente consistente (como tem sido, por exemplo, importante distinguir reforço positivo de negativo, social de não-social, primério de condicionado etc).
Um abraço a todos,
Marcelo
PS: Márcio: muito boa a questão sobre o que alguém diria vendo as respostas iniciais de um sujeito em FR 50...
postado por Marcelo Benvenuti (parte 1)
ResponderExcluirJoão Claudio, Gustavo e Márcio,
essa discussão sobre reforço automático, natural etc dá pano para manga...
Tenho a impressão que muitas vezes a questão do reforço natural versus arbitrário esconde o fato que, em contextos naturais, o comportamento está sendo mantido por reforço negativo administrado pelo psicólogo ou por outra pessoa no comando da situação. A consequência planejada como reforço positivo não funciona como tal, resta o controle por evitação ou fuga de bronca, suspensão de outros reforçadores etc. Todos os exemplos analisados pelo Ferster (1967) e, mais tarde, por Ferster, Culbertson e Boren (1979), a meu ver, envolvem isso. Vejamos o exemplo do menino que, em sessão de terapia, não queria vestir o casaco (Ferster, C e B): o menino entra em uma contenta com o terapeuta porque, na ausência de reforço positivo natural, o terapeuta é obrigado a usar reforço arbitrário. É isso mesmo ou, na ausência de reforço por usar casaco o terapêuta é obrigado a usar ameaça para que o menino vista o casaco (mesmo que leve)? O problema não é se a mudança ambiental que mantém o comportamento é a adição de algo "natural" ou "arbitrário" (o que me parece uma falsa questão), mas se o comportamento é ou não mantido por reforço (ou se, por outro lado, o comportamento não tem qualquer outra função a não ser dar conta das demandas do terapêuta que não tinha qualquer outra escolha a não ser colocar a criança em uma situação aversiva da qual ela escapa obedecendo). continua.....
postado por Marcelo Benvenuti (parte 2)
ResponderExcluir....Problemas levantados para o uso de reforço arbitrário quase sempre são os mesmos gerados pelo uso de controle aversivo (controle limitado a certos contextos e dependente da fonte reforçadora original, restrição de repertório etc). Falar de "reforço arbitrário" pode ser, em si, uma esquiva de analisar práticas coercitivas que estão implícitas em práticas psicológicas.
Tenho a impressão que a diferenciação entre natural e arbitrário tem uma justificativa histórica importante (Todorov mostrou um contexto importante em que surgiu a discussão). Contudo, tenho dúvidas se essa diferenciação é, hoje, importante e conceitualmente consistente (como tem sido, por exemplo, importante distinguir reforço positivo de negativo, social de não-social, primério de condicionado etc).
Um abraço a todos,
Marcelo
PS: Márcio: muito boa a questão sobre o que alguém diria vendo as respostas iniciais de um sujeito em FR 50...
postado por Márcio Borges:
ResponderExcluirOi Marcelo,
ótimas colocações!!!! concordo em gênero número e grau que "natural" ou "arbitrário" parece uma falsa questão...
Olá Professor Todorov,
ResponderExcluirparabenizo os temas expostos no blog e também vim para dizer que sinto falta de novos textos.
abraços,
Pedro Henrique
Marcelo, Rodrigo e Márcio
ResponderExcluirGostei muito das repostas de vocês e concordo com tudo o que foi dito. Mas mantenho a dúvida do Gustavo. A literatura sobre a FAP utiliza o termo: reforçamento positivo natural - o que em termos de procedimentos clínicos também me traz certo desconforto conceitual.
Não seria necessariamente a atribuição de reforçamento automático, ou o uso de reforçamento negativo por parte do terapeuta.
O terapeuta pode, por exemplo, diante de expressões afetivas de um cliente que se esquiva de relacionamentos íntimos,simplesmente ser também mais carinhoso que o habitual, falar mais de si, se aproximar, sorrir com mais frequência e oferecer mais atenção às falas do cliente (o que aconteceria em relacionamentos fora da terapia quando o cliente se comporta de forma "pró-social"). Ou seja: as mudanças de comportamento do terapeuta seriam consequências "naturais" produzidas pelo afeto do cliente. Mas naturais no sentido de: aconteceriam fora do contexto clínico, aconteceriam porque acredita-se que as respostas afetivas dele seriam reforçadoras para as respostas de aproximação dos outros (assim também devem ser para o terapeuta).
Logo, a dúvida que se mantém é: quando a literatura sobre a FAP diz que utiliza reforçamento natural dos CCRs2, pretende dizer que: procura consequenciar as respostas de melhora do cliente "reproduzindo" as consequências que "naturalmente" ocorreriam nas relações humanas, inclusive no terapeuta. Mas se há programação destas contingências... elas continuam sendo naturais? Ou a partir do momento que o terapeuta planeja as consequências, elas deixariam de ser produtos diretos das respostas?