quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O QUE É TEORIA E O QUE NÃO É EM ANÁLISE DO COMPORTAMENTO.

A linguagem teórica da analise do comportamento é o cimento que une todos os tipos de atividades compreendidas sob essa rubrica, marca, ou o que seja. A análise do comportamento tem alguns pontos muito distintos de outros que prosperam na psicologia, como pesquisas de laboratório animal com análise experimental do comportamento de indivíduos (n = 1) – mas não é apenas análise experimental do comportamento de indivíduos, nem no laboratório, nem no consultório clínico. Sua marca mais distinta é sua linguagem teórica.

Experimentação com n = 1 é a grande contribuição de Skinner para a psicologia experimental dos anos 30 do século passado. Trouxe de seus estágios nos principais laboratórios de biologia de Harvard. Junto com a taxa de respostas por unidade de tempo e os esquemas de reforço intermitente, forma o trio de ouro de Skinner.

Mas nem ele ficou só na análise experimental do comportamento de organismos individuais (n = 1). Principalmente Skinner logo de início em Ciência e Comportamento Humano mostrou como se pode avançar analisando exemplos da vida diária à luz da teoria. E é essa teoria, que começa a ser desenvolvida em O Comportamento dos Organismos (1938) e continua sendo desenvolvida até hoje, e continuará a ser desenvolvida pela futuras gerações, que faz a conexão entre os diferentes campos de atuação da análise do comportamento: pesquisa básica, pesquisa aplicada, atuação profissional, análise funcional, análise conceitual, etc.

Não concordo com classificações da análise do comportamento que parecem existir para justificar erros do passado. Um triângulo com teoria em uma ponta, pesquisa básica no outro, e pesquisa aplicada no terceiro, com comunicação de mão dupla em tudo, é um desses erros que parece existir para justificar decisões tomadas no passado longínquo e que nos atrapalham até hoje. Atrapalham mas parece ser tabu falar disso. Vejo um V invertido, com a teoria acima, no vértice, que se comunica em mão dupla com os dois lados, o da pesquisa e o da atuação profissional. Não há comunicação entre pesquisa e atuação profissional a não ser via vértice, a teoria. Da mesma forma a atuação profissional alimenta a pesquisa via teoria.

Vamos aos erros do meu ponto de vista.

# 1 – Ficar só no periódico Journal of the Experimental Analysis of Behavior de início (1958). Ele era necessário para fugir da ditadura estatística do Journal of Experimental Psychology – o periódico experimental de maior prestígio da época - mas se fosse mais geral seria melhor, pois seria lido por todos e provavelmente teria promovido um desenvolvimento mais harmônico da análise do comportamento. O título e as normas para publicação ajudaram a montar uma barreira para os de fora em lugar de apenas proteger os de dentro.

# 2 – Criar o Journal of Applied Behavior Analysis (1968) como uma extensão do Journal of the Experimental Analysis of Behavior, para não ter que continuar publicando provas de que o reforçador reforça. As normas para publicação continuaram praticamente as mesmas, com adendos sobre importância prática e relevância social. Mas continuamos só com análise experimental do comportamento de indivíduos (n=1).

# 3 – Achar que com isso a análise do comportamento estava logicamente dividida em dois – pesquisa básica e análise aplicada, sempre com n = 1. Essa foi uma divisão de poder entre o JEAB o JABA, os modificadores do comportamento dos anos 60. Donald Baer ditou um conjunto de regras que tornou distintos os trabalhos do JABA. Os dois grupos quase não se misturam até hoje.. Por isso não gosto das classificações da análise do comportamento existentes. Não é por ai.

# 4 – A maior parte dos escritos de Skinner a partir dos anos 60 é muito política. Só um pequeno grupo que se identifica como Behaviorists for Social Responsibility continua esse trabalho, e para publicar foi necessário criar outra revista, atualmente intitulada Behavior and Social Issues. Essas divisões do grupo nos deixam muito frágeis aos ataques que sofremos vindo de esquerda, centro, direita, etc.

# 5 - Ignorar o resto da psicologia ou fazer de conta que análise do comportamento é outra ciência. Ao fazer isso perdemos uma oportunidade única. Ninguém mais tem como campo de ação tudo o que é coberto pelas chamadas ciências do comportamento, incluindo toda a psicologia, pois para nós onde houver comportamento, estaremos lá.

9 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Com relacao ao ponto 3: Historicamente, voce esta correto. Entretanto, muitos pesquisadores na analise do comportamento hoje atuam nas duas areas. Voce ve os mesmos autores publicando tanto pesquisas basicas, como aplicadas. Existe, inclusive um movimento a favor das pesquisas que fazem ponte entre as duas areas (bridge/translational research), evidenciada pelo novo "science board" na propria ABAi (veja tambem pesquisas basicas publicadas no JABA). Um dado interessante: membros comuns nos corpos editoriais do JABA e JEAB. Eu mesmo sirvo nos corpos editoriais das duas revistas, alem de editar o periodico TAVB, que vem ganhando reconhecimento - recentemente TAVB foi arquivado pela pubmed central http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/, e no ultimo ano recebeu numero record de submissoes.

    Veja como exemplo alguns dos nossos estudos sobre categorizacao publicados no JABA e JEAB.

    http://www.caiomiguel.org/projects-and-publications.html

    abracos, Caio

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  3. Caio

    Que bom que as novas gerações estejam trabalhando para corrigir isso. Espero que voce não seja so um ponto fora da curva...

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  4. Caro Prof. Todorov,

    O que acha de participar, totalmente dentro das suas possibilidades de tempo, de um blog/site dedicado a críticas/reflexões construtivas a Análise do Comportamento? Digo isso pq vejo que somos, de um modo geral, muito críticos com relação aos outros, mentalistas, mas pouco críticos com nossa própria visão de mundo... e a meu ver, uma ciencia só caminha, graças a ações críticas frente a ela! Seu blog é uma iniciativa excelente!!! E que a meu ver, em parte, já cumpre esse papel! Abraços! Davi Wood

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  5. Davi,

    estou restringindo minhas atividades por motivo de saúde. Não podemos dialogar por aqui? Ainda não tive tempo de completar o meu site.

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  6. Prof. Todorov,

    Lhe desejo melhoras! Gosto muitooooo das suas reflexões colocadas aqui no seu blog por isso o convidei!
    Mas é claro que podemos dialogar por aqui mesmo!
    Obrigado pelo retorno ao meu comentário.
    PS.: Gostei muito de quando falou de estrutura e função no Comportamento Verbal.
    Abração.
    Davi

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  7. Davi,

    o problema é que quase ninguém me entendeu. Estamos tão acostumados a só ler o que se publica em nossas revistas que alguns colegas acharam que o Baer com o conceito de "cusp" já tinha resolvido a questão. Não é por aí. Estou estudando o assunto para escrever de forma mais didática para analistas do comportamento entenderem.

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  8. Olá professor Todorov. Muito interessante o texto. Esta passagem chamou bastante minha atenção "Mas nem ele ficou só na análise experimental do comportamento de organismos individuais (n=1). Principalmente Skinner logo de início em Ciência e Comportamento Humano mostrou como se pode avançar analisando exemplos da vida diária à luz da teoria".
    A partir disso, pensei: pesquisas n=1 é bem marcante em AEC, em relação aos demais tipos,e têm mostrado sua relevância...Então, Professor, na sua opinião como aproximar a análise do comportamento de outras ciências em que o predomínio de pesquisa difere de n=1?
    Obrigado!

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  9. Anderson,
    Minhas desculpas pelo atraso. Só recentemente retomei o blog. Escrevi sobre isso na revista Behavior and Social Issues em 2009:
    Behavior and Social Issues, 18, 10-14 (2009).

    BEHAVIORAL ANALYSIS OF NON-EXPERIMENTAL DATA
    ASSOCIATED WITH CULTURAL PRACTICES

    Outro artigo, mais recente, na mesma revista:
    Behavior and Social Issues, 22, 64-73 (2013).

    Em português:
    Clínica & Cultura v.I, n.I, ago-dez 2012, 36-45
    Metacontingências e a análise comportamental de
    práticas culturais.

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