terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Quem não tem baleia caça com peixe - a metacontingência no aquário.


Lucas Couto de Carvalho é meu ex-aluno e parceiro em algumas publicações. Atualmente é doutorando em Oslo, na Noruega.



Fazendo dos peixes grandes baleias

Lucas Couto de Carvalho

O conceito de metacontingência é uma ferramenta conceitual, primeiramente cunhado por Sigrid Glenn em 1986, que trata de fenômenos sociais dentro de uma perspectiva analítico comportamental. Esse conceito é novo, tem suas limitações e controvérsias, entretanto, têm-se dado atenção a ele de modo que seu refinamento e evolução estão sendo perseguidos (e.g., Todorov, 2013). Esse conceito era ainda mais novo para mim na época em que ingressei na pós-graduação. Naquele tempo, mais me preocupavam registros cumulativos de experimentos conduzidos com ratos do que qualquer outra coisa. Aos poucos, aquele conceito foi me interessando, passei cada vez mais a ler sobre comportamento de pessoas em grupo (e.g., Lamal, 1991), sobre experimentos publicados na área (e.g., Vichi, Andery, & Glenn, 2009) e, claro, gastando horas pensando sobre o conceito e tentando visualiza-lo em meu próprio ambiente natural.
Voltando aos animais, como estive bastante interessado em estudar comportamento de animais em caixas de Skinner, não pude me privar de tentar, nessa nova fase dos meus estudos, de encontrar algum experimento já publicado sobre comportamento social ou em sociedade em animais não-humanos. De fato encontrei (e.g., Graft, Lea, & Whitworth, 1977). Nessa mesma época, como não tinha televisão em meu flat, o que me restava era me distrair assistindo filmes ou seriados pelo YouTube. Na altura, sair era um pouco tedioso, já que lá fora só se via neve e luzes inventadas pelos homens (o inverno na Noruega não é fácil para brasileiros). Dentre os programas que me interessavam, incluíam-se aqueles que passam na Nathional Geographic, sobre animais selvagens em geral. Um exclusivamente chamou minha atenção, sobre estratégias de caça em baleias orcas. Ali percebi claramente um exemplo de seleção cultural (o link desse vídeo, para interessados: https://www.youtube.com/watch?v=3__L0oAa2T8). Fiquei maravilhado, pensei se fosse possível um dia presenciar tal fenômeno. Talvez uma parceria do nosso grupo de pesquisa com esses pesquisadores poderia me levar a isso (claro! Estava sonhando alto). Então esqueci, por hora.
Naquela época estava prestes a embarcar em uma viagem para Londres. Levando em consideração os valores das passagens, lembro-me de ter comprado nossos tickets (meu e de Nayara) para um aeroporto mais distante, localizado em Torp (Aeroporto de Sandefjord). Só para chegar ao aeroporto faz-se uma hora e meia de viagem por trem, partindo da Estação Central de Oslo. Levando esse tempo em consideração, pensei, “levarei comigo a biografia de Skinner para terminar de ler durante a viagem” (Skinner, 1979). Na ida, nada feito, a linda paisagem da Noruega deixou-me de lado a leitura. Mas na volta pude me concentrar naquele livro. A cada página que lia percebia o quanto Skinner se deliciava ao fazer experimentos com ratos, aquilo era animador. Volta e meia aquilo me fazia voltar os pensamentos às baleias. Parei de ler, aquele desejo de ver baleias se comportamento em grupo de maneira impressionantemente coordenada se intensificou. Porém, era óbvio que não seria possível criar duas baleias em um flat de apenas 14m2, e pesquisas no oceano, talvez mais impossível ainda.
Como era véspera de meu aniversário, ainda dentro do trem, pedi a Nayara que me desse um presente que seria para mim o melhor de todos, um aquário e dois peixes. Então ela indagou: “mas um aquário?”. E respondi que pensava em fazer um experimento no qual tentaria modelar peixes em uma metacontingência. Enquanto percebia seu olhar desconfiado, em mim falava aquele pensamento: “vou fazer de dois peixes as baleias”. Após semanas tentado modelar comportamentos naqueles peixes (que por sinal foi uma grande experiência perceber os detalhes daquele processo), então, finalmente, estavam lá, eles nadando de maneira coordenadas. Foi um daqueles momentos em que os sentimentos de Skinner faziam-se vivos. Aqueles peixes tinham me dado uma grande oportunidade de presenciá-los se comportando de acordo com uma contingência social da qual tinha planejado. Fortaleci os comportamentos em reforçamento contínuo e, logo depois, inseri um FR. Foi possível atingir FR 5 (um vídeo pode ser visto no YouTube de parte da sessão em FR 5: https://www.youtube.com/watch?v=8j4e-FNYJGw).
No final daquele semestre teríamos uma viagem ao Brasil e fiquei martelando o que faria com aqueles peixes. Afinal, me fizeram bastante feliz, não poderia simplesmente me desfazer deles. Demorei para resolver o que fazer, pelo que parece, por conta daquela sensação de que não poderia me despedir deles na altura do campeonato! No dia da viagem embalei-os dentro de um plástico e os enfiei dentro da minha mala. Viemos juntos ao Brasil! Hoje quando os vejo sempre nadando um próximo ao outro, penso: “Será que os procedimentos os aproximaram?”. A resposta pode, ou não, ser contada por mim ou outros em um próximo capítulo dessa história.
Referências
Graft, D. A., Lea, S. E. G., & Whithorth, T. L. (1977). The matching law in and whithin groups. Journal of Experimental Analysis of Behavior, 25, 183-194.
Lamal, P. A. (1991). Behavioral analysis of societies and cultural practices. New York: Hemisphere Publishing Corporation.
Skinner, B. F. (1979). The shaping of a behaviorist: Part two of an autobiography. New York: New York University Press.
Todorov, J. C. (2013). Conservation and transformation of cultural practices through contingencies and metacontingencies. Behavior and Social Issues, 22, 64-73.
Vichi, C., Andery, M. A. P. A., & Glenn, S. S. (2009). A metacontingency experiment: the effects of contingent consequences on patterns of interloking contingencies of reinforcement. Behavior and Social Issues, 12, 41-57.


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