Lucas Couto de Carvalho é meu ex-aluno e parceiro em algumas publicações. Atualmente é doutorando em Oslo, na Noruega.
Fazendo dos peixes grandes baleias
Lucas
Couto de Carvalho
O
conceito de metacontingência é uma ferramenta conceitual, primeiramente cunhado
por Sigrid Glenn em 1986, que trata de fenômenos sociais dentro de uma
perspectiva analítico comportamental. Esse conceito é novo, tem suas limitações
e controvérsias, entretanto, têm-se dado atenção a ele de modo que seu
refinamento e evolução estão sendo perseguidos (e.g., Todorov, 2013). Esse
conceito era ainda mais novo para mim na época em que ingressei na pós-graduação.
Naquele tempo, mais me preocupavam registros cumulativos de experimentos
conduzidos com ratos do que qualquer outra coisa. Aos poucos, aquele conceito
foi me interessando, passei cada vez mais a ler sobre comportamento de pessoas
em grupo (e.g., Lamal, 1991), sobre experimentos publicados na área (e.g.,
Vichi, Andery, & Glenn, 2009) e, claro, gastando horas pensando sobre o
conceito e tentando visualiza-lo em meu próprio ambiente natural.
Voltando
aos animais, como estive bastante interessado em estudar comportamento de
animais em caixas de Skinner, não pude me privar de tentar, nessa nova fase dos
meus estudos, de encontrar algum experimento já publicado sobre comportamento
social ou em sociedade em animais não-humanos. De fato encontrei (e.g., Graft,
Lea, & Whitworth, 1977). Nessa mesma época, como não tinha televisão em meu
flat, o que me restava era me distrair assistindo filmes ou seriados pelo
YouTube. Na altura, sair era um pouco tedioso, já que lá fora só se via neve e
luzes inventadas pelos homens (o inverno na Noruega não é fácil para
brasileiros). Dentre os programas que me interessavam, incluíam-se aqueles que
passam na Nathional Geographic, sobre animais selvagens em geral. Um
exclusivamente chamou minha atenção, sobre estratégias de caça em baleias
orcas. Ali percebi claramente um exemplo de seleção cultural (o link desse
vídeo, para interessados: https://www.youtube.com/watch?v=3__L0oAa2T8). Fiquei maravilhado,
pensei se fosse possível um dia presenciar tal fenômeno. Talvez uma parceria do
nosso grupo de pesquisa com esses pesquisadores poderia me levar a isso (claro!
Estava sonhando alto). Então esqueci, por hora.
Naquela
época estava prestes a embarcar em uma viagem para Londres. Levando em
consideração os valores das passagens, lembro-me de ter comprado nossos tickets
(meu e de Nayara) para um aeroporto mais distante, localizado em Torp (Aeroporto
de Sandefjord). Só para chegar ao aeroporto faz-se uma hora e meia de viagem por
trem, partindo da Estação Central de Oslo. Levando esse tempo em consideração,
pensei, “levarei comigo a biografia de Skinner para terminar de ler durante a
viagem” (Skinner, 1979). Na ida, nada feito, a linda paisagem da Noruega deixou-me
de lado a leitura. Mas na volta pude me concentrar naquele livro. A cada página
que lia percebia o quanto Skinner se deliciava ao fazer experimentos com ratos,
aquilo era animador. Volta e meia aquilo me fazia voltar os pensamentos às
baleias. Parei de ler, aquele desejo de ver baleias se comportamento em grupo
de maneira impressionantemente coordenada se intensificou. Porém, era óbvio que
não seria possível criar duas baleias em um flat de apenas 14m2, e
pesquisas no oceano, talvez mais impossível ainda.
Como
era véspera de meu aniversário, ainda dentro do trem, pedi a Nayara que me
desse um presente que seria para mim o melhor de todos, um aquário e dois
peixes. Então ela indagou: “mas um aquário?”. E respondi que pensava em fazer
um experimento no qual tentaria modelar peixes em uma metacontingência.
Enquanto percebia seu olhar desconfiado, em mim falava aquele pensamento: “vou
fazer de dois peixes as baleias”. Após semanas tentado modelar comportamentos naqueles
peixes (que por sinal foi uma grande experiência perceber os detalhes daquele
processo), então, finalmente, estavam lá, eles nadando de maneira coordenadas.
Foi um daqueles momentos em que os sentimentos de Skinner faziam-se vivos.
Aqueles peixes tinham me dado uma grande oportunidade de presenciá-los se
comportando de acordo com uma contingência social da qual tinha planejado.
Fortaleci os comportamentos em reforçamento contínuo e, logo depois, inseri um
FR. Foi possível atingir FR 5 (um vídeo pode ser visto no YouTube de parte da
sessão em FR 5: https://www.youtube.com/watch?v=8j4e-FNYJGw).
No
final daquele semestre teríamos uma viagem ao Brasil e fiquei martelando o que
faria com aqueles peixes. Afinal, me fizeram bastante feliz, não poderia
simplesmente me desfazer deles. Demorei para resolver o que fazer, pelo que
parece, por conta daquela sensação de que não poderia me despedir deles na
altura do campeonato! No dia da viagem embalei-os dentro de um plástico e os enfiei
dentro da minha mala. Viemos juntos ao Brasil! Hoje quando os vejo sempre
nadando um próximo ao outro, penso: “Será que os procedimentos os aproximaram?”.
A resposta pode, ou não, ser contada por mim ou outros em um próximo capítulo
dessa história.
Referências
Graft, D. A., Lea, S. E. G., & Whithorth, T. L. (1977).
The matching law in and whithin groups. Journal
of Experimental Analysis of Behavior, 25, 183-194.
Lamal, P. A. (1991). Behavioral
analysis of societies and cultural practices. New York: Hemisphere
Publishing Corporation.
Skinner, B. F.
(1979). The shaping of a behaviorist:
Part two of an autobiography. New York: New York University Press.
Todorov, J. C. (2013). Conservation and transformation of
cultural practices through contingencies and metacontingencies. Behavior and Social Issues, 22, 64-73.
Vichi, C., Andery, M. A. P. A., & Glenn, S. S. (2009). A
metacontingency experiment: the effects of contingent consequences on patterns
of interloking contingencies of reinforcement. Behavior and Social Issues, 12, 41-57.
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