sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Lorismário Simonassi e a aprendizagem por canibalismo.

De Lorismário Simonassi

                               A planária que comeu a aprendizagem de outra planária.
                                                                                                                 Scrittore Traditore.

                               Existe uma grande quantidade de más informações nas academias.  Parece que na psicologia a frequência  é maior. Este tipo de divulgação é parecido com o que Sergio Porto imortalizou, lá pelos anos 60, com o título de FEBEAPÁ (FEstival de BEsteiras que Assolam o Pais). Eram sátiras que, naqueles anos, mostravam as confusões que pessoas faziam ao misturarem fatos de diversas épocas. Uma das mais famosas foi o samba intitulado por Stanislaw Ponte  Preta- pseudônimo de Sergio Porto (1968)- de Samba do Crioulo Doido. Voltarei ao samba.
                               Comumente, professores de outras áreas se aventuram a falar sobre o que não sabem. Um exemplo comumente citado é um pseudo-experimento feito com planárias por  Mc Connel (1962). Neste pseudo-experimento a uma planária apresenta-se uma luz seguida por um choque elétrico. Posteriormente só a presença da luz é suficiente para que a planária fuja da presença da luz e evite o choque.. Dá-se então a oportunidade  que planárias  canibalizem partes da planária “condicionada”. Afirma-se que a planária foi condicionada por um procedimento tipicamente Pavloviano ou Respondente. Posteriormente à planária “canibalesca” é apresentada a uma luz de mesma intensidade. Esta então passa a fugir da luz e evitar o choque. Diz-se que isto é um experimento que demonstra que a aprendizagem foi “digerida” pela planária “canibal” e que o comportamento de fugir da luz e esquivar ao choque foi transferido para a planária canibal ao ingerir o RNA da planária condicionada.
                                Alguns comentários:
1-      Não se testou previamente se a planária comelona já fugia das luzes. Não é preciso, pois estes vermes são fotofóbicos, isto é, tem respostas de fugir da presença da luz. Elas fogem também da presença de choques elétricos. Portanto se tivesse sido feita uma Linha de Base, o experimentador teria que tomar uma de várias outras possíveis decisões, a saber: 1-trocar a luz por um estímulo neutro relativo à sensitização(sensibilização) ,isto é, um estímulo que não fosse um estímulo incondicionado sensibilizador pois nos procedimentos Pavlovianos NÂO EXISTE emparelhamento de dois estímulos INCONDICIONADOS   no caso, luz/choque uma vez que já são sensibilizadores. 2- Trocar de animal, isto é , usar um animal no qual a luz não fosse um estímulo incondicionado. Por exemplo, um cachorro, pois este também teria um sistema nervoso mais evoluído do que a planária, pois nas planárias o sistema nervoso é rudimentar. Por rudimentar, define-se que possuem  “um anel nervoso ligado a cordões longitudinais ou por um par de gânglios cerebroides”, isto é, tem funções semelhantes às funções mais elementares de cérebros ainda muito pouco desenvolvidos. Exemplo, o cerebroide  das planárias é inferior ao das minhocas pois, as minhocas são anelídeos, organismos superiores aos platelmintos (planárias).
2-      Caso o teste fosse feito em Linha de Base  (cf. Sidman, 1960)  a planária “canibal” já teria apresentado o comportamento de fuga. Portanto o que esta planária comeu não foi a aprendizagem, mas sim proteína.
3-      O delineamento deveria ser feito tipo N=1,  n vezes, ou seja, fazer a sequencia de  Linha de Base → Emparelhamento de Estímulos → Linha de Base.

A despeito da vasta literatura sobre sensibilidade de estímulos (cf. Jenkins, 1977) a divulgação de achados no mínimo controversos continua a ocorrer. Até mesmo expectativas de “pílulas da aprendizagem ou memória” são ditas nas salas de aula. Não é novidade, pois foi o próprio Mc Connell que difundiu a ideia em suas apresentações lá pelos anos de 1964. Até hoje são esperadas as tais pílulas embora, estudos refutativos por falta de CONTROLE EXPERIMENTAL sejam vastos na literatura especializada.  Por exemplo, Hartry, Keith-Lee e Morton (1964) replicaram o experimento de MC Connel (1962) e concluíram que:
                                              “os resultados não provam que memória não possa ser transferidas via canibalismo, porem teorias alternativas que enfatizam ativação e sensibilização  podem ter sido as variáveis responsáveis das respostas de fuga e esquiva nas planárias canibais”.
                                              Desde 1962 até os dias de hoje as tais “pílulas de memória” não surgiram. Eu faço uma sugestão.  Se uma criança aprendeu a ler é suficiente que gotículas de sangue dessa criança sejam misturadas com água e açúcar para ser mais apetitosa e distribuída para crianças analfabetas beberem. Como existem moléculas de DNA e RNA no sangue dos organismos, o problema da leitura estará resolvido. Enquanto isto os Analistas do Comportamento irão ensinar seus filhos a ler através das técnicas convencionais ou quando muito, usar um procedimento de Aprendizagem sem Erro (cf. Terrace, 1963) ou de Equivalência de Estímulos (cf. Sidman,1982) para que seus filhos continuem aprendendo a ler caso tenham dificuldade em aprender.
                                              Voltando ao Samba do Crioulo Doido de Stanislaw Ponte Preta desejo colocar uma pequena parte:
                                  “Foi em Diamantina onde nasceu JK que,  a princesa Leopoldina arresorveu se casá. Mas Chica da Silva, tinha outros  pretendentes e convenceu a princesa a se casá com Tiradentes.”

            Enquanto a pílula não vem, aprendam o restante do samba  pode ser aprendido ou canibalizado. É muito interessante. Para terminar vou transcrever o que meu amigo João Claudio Todorov (2014) escreveu em seu Blog: “ Há pessoas que escrevem com a tranquilidade dos que são felizes porque não sabem que não conhecem o assunto”.

                Referencias

Hartry, A. L; Keith-Lee, P. and Morton, W. (1964). Planaria Memory transfer through cannibalism reexamined. Science, New Series, Vol. 146, N° 3641. (Oct. 9,) pp. 274-275.

Jenkins, H.M. (1977). Sensitivity of Different Response System to Stimulus-Reinforcer and Response-Reinforcer Relations.In Hank Davis & Harry M. B. Hurwitz. Cap. 3. New York ; John Wiley & Sons.

Mc Connel, J. V. (1962). Journal Neuropsychiatry, 3 (Suppl. 1) S 42.

Pavlov. I.P. (1927) Conditioned Reflexes . tr. G.V. Anrep.London: Oxford University Press.

Porto, S. (1968). Na Terra do Crioulo Doido: a máquina de fazer doido. Editora Sabia: Rio de Janeiro.

Sidman, M. (1960). Tactics of Scientific Research. Cap. 11. New York: Basic Books, Inc.,Publishers.

Sidman, M. & Tailby, W. (1982). Copnditioned discrimination VS matching to sample: an expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37 (1), 5-22.

Terrace, H.S. (1963).Discrimination learning with and without “errors”. Journal Experimental Analysis of Behavior, 1963, 6, 1-27.



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