Sobre economia comportamental, internet, redes e movimentos
sociais.
Entrevista para CARLOS MULLER da ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
JORNAIS motivada pelas manifestações de rua do ano passado, publicada no jornal
da ANJ de agosto de 2013.
1. 1 - A surpresa geral nos diz muito do estado das
ciências humanas, especialistas em analisar o que se vê pelo espelho
retrovisor. Os governos não previram porque seus especialistas em planejamento
não foram treinados para prever, só para explicar. E muito do planejamento é wishful thinking. Parece faltar
treinamento em previsão e controle, fator básico nas ciências naturais e quase
nunca presente nas ciências humanas, muitas vezes por questões ideológicas. Na
economia, por exemplo, modelos matemáticos sempre foram malvistos, tanto por
marxistas quanto pelos fervorosos adeptos do mercado como solução para tudo, a
mão invisível do John Adams. Não foi a
toa que durante o governo Clinton nos EEUU seus assessores econômicos, entre
eles Janet Yellen, se recusaram a regulamentar
o mercado dos derivativos, um dos vilões da crise econômica mundial de 2008.
Yellen agora diz que os mercados precisam de regulamentação para evitar abusos,
garantir competição e prevenir interferências no crescimento econômico. Evitar,
garantir e prevenir dependem da possibilidade de prever e controlar. Isso se
aplica também à garantia de educação a partir dos primeiros anos de vida, ao
acesso a um sistema de saúde voltado à prevenção de doenças, etc.
2. 2 - Em todos os casos a juventude ocupou as ruas
para protestar. Que os motivos do protesto são muito variados não vem ao caso.
O exemplo funciona como operação estabelecedora da motivação. O primeiro
protesto era previsível e foi programado. O Movimento Passe livre não é
propriamente clandestino. O momento foi perfeito para aproveitar a motivação
indignada da população que depende dos ônibus para trabalhar. Não tenho os
dados, mas acredito que outras motivações que levaram pessoas às ruas já
estavam movimentando boa parte do tráfego na internet à época. Do Facebook à
rua é um pulo. Vi no “Globo Ciência”
reportagem sobre pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro que
estavam acompanhando essa movimentação na internet. Ainda não tenho o resultado
da pesquisa. Sobre outros movimentos no mundo,
eles são vistos de maneira diferente de acordo com seu ponto de partida. Se
você quer entender o que cada
movimento tem de diferente e característico, é só listar as diferenças. Se você
quer saber por que e quando as pessoas ocupam as ruas para protestar, você vai
buscar as semelhanças. As ciências naturais buscam semelhanças entre eventos
que se repetem. Como exemplares da espécie humana compartilhamos da necessidade
de atenção e da proximidade de nossos semelhantes. Fazer parte do grupo e obter
atenção são dois dos reforçadores mais fortes para todos nós. A emoção que
sentimos quando nos juntamos ao grupo na rua é muito forte.
3 - A internet facilitou tudo: acesso à informação,
troca de análises da informação recebida, proposta de ação, planejamento e divulgação
de o que, quando, onde e por que. Não importa quem deu o ponta pé inicial, o
importante é a quantidade de amigos virtuais que adere. Não há nada de
espontaneismo. A falta de um líder tradicional que aponta o caminho e faz o
chamado não importa, a liderança é difusa e coletiva.
4. 4 - A internet modificou nosso comportamento em
quase todas as esferas. Posso fazer o supermercado sem sair de casa. Continuo a
me reunir com meus alunos de pós-graduação mesmo estando em outro país usando o
Hangout do Google+. Se alguém está sozinho em casa e lê uma notícia que o deixa
indignado rapidamente posta sua indignação no Facebook e imediatamente recebe o
apoio de seus amigos virtuais. A facilitação de protestos na rua não é aspecto
isolado. A internet facilita tudo. Para checar os primórdios do uso da internet
para mobilização veja carrotmob.org.
5. 5 - A internet juntou as vantagens da TV, do rádio e
do jornal, sem as desvantagens. A informação sobre eventos vem quase sem
atraso, ilustrada, com vídeos, e por escrito, e de múltiplas fontes. E você
ainda pode fazer assinatura do jornal para ler online, mesmo quando viaja para
outro país. Não é à toa que os jornais estão em dificuldade. Há cinco anos o
New York Times comprou o Boston Globe por uma fortuna, e acaba de vende-lo por
uma pequena fração do preço que pagou. O NY Times faz mais propaganda da
assinatura online do que a tradicional para entrega a domicilio.
6. 6 - Alguém ainda ignora o fato de que o que está na
internet está na boca do povo? Quem escreve na internet está tão vulnerável
quanto quem escreve no jornal ou dá entrevista para o rádio ou a televisão. A
diferença é que na internet quem lê dá feedback imediato. O escritor fica muito
mais sob o controle do leitor. Quem me censura não é mais o editor do jornal ou
da revista, é diretamente o leitor.
7. 7 - Seria ingênuo esperar que quem tem acesso aos
bilhões de informações disponíveis na internet não usasse isso para ganhar
dinheiro ou aumentar seu poder. Como controlar isso é um problema global, a ser
eventualmente resolvido em algum foro internacional. Recentemente o Secretário
de Estado americano disse ao nosso Ministro das Relações Exteriores que os EEUU
sim, fazem espionagem na internet e continuarão a fazer como maneira de nos
proteger, ao mundo todo, dos males do terrorismo. Por enquanto não temos defesa
contra essa intromissão. Se você não deixar de usar a internet, cuidado com o
que escreve para não ser mal entendido.
8. 8 - Comprar é comportamento como outro qualquer,
suscetível às consequências. Comprar um livro pela internet usando meu cartão
de crédito e receber a compra em casa é muito mais fácil e barato do que pegar
meu carro, dirigir até uma livraria e pagar mais caro. É verdade que depois do
décimo livro a empresa sabe o tipo de livro que quero e me avisa que tem outros
semelhantes para vender, aumentando a probabilidade de que eu compre mais
livros do mesmo tipo. Mas é assim que a publicidade em geral funciona, não é? A
diferença é que a internet dá à empresa informações mais precisas sobre mim,
tornando a publicidade mais eficaz e eficiente.
9. 9 - Não vejo alterações nos processos mentais. Vejo
melhor manipulação do ambiente para tornar meu comportamento de comprar mais
provável. Vejo também feedback imediato para minhas mensagens. Feedback
imediato é talvez a arma mais eficaz para influenciar comportamentos.
1 10- Credibilidade é resultado de experiência bem
sucedida. Preferência sobre uma fonte de notícias sobre outra é resultado,
entre outros fatores, de credibilidade da fonte.
1 11 - Não vejo perigo para a democracia sempre que o cidadão
for livre para buscar informações. Mas receber informações sobre o que já
conhece diminui a chance de buscar outras fontes; o que não é muito diferente
de comprar o jornal que pensa como ele e apoia seus candidatos. Não é
diferente, mas é muito mais eficaz e eficiente do ponto de vista de quem
controla a informação. Por isso não há democracia se os meios de comunicação
são controlados pela censura prévia de governos. Toda proposta de
regulamentação estatal da mídia deve ser vista com desconfiança.
1 12 - Nunca houve tanto acesso a diferentes fontes de
informação quanto este que a internet hoje possibilita. Quanto maior o acesso
do cidadão à informação menos estará exposto à propaganda.
1 13 - Notícias boas têm efeito localizado; notícias
ruins tendem a gerar disposição negativa. Talvez por isso os noticiários na TV
tendem a colocar por último notícias boas que geram bom humor. Em termos
técnicos eu diria que o gradiente de generalização para eventos aversivos é
mais achatado.
1 14 - Esse é maior perigo da internet, a banalização
de tudo. Como todos podem falar de qualquer coisa é frequente ver opiniões
estapafúrdias. Talvez seja o preço a pagar pelo maior e mais rápido acesso à
informação. Agora, não há salvação para quem só recebe notícias via amigos do
Facebook. Essa rede social é perfeita para quem estuda boatos, como se originam
e como se propagam. Há um modelo matemático usado na física que descreve o que
acontece na água quando aquecida até ferver. É um processo que começa lento,
acelera devagar até o ponto de ebulição, quando muito rapidamente a água vira
vapor. Algo parecido na estrutura parece acontecer com os boatos na internet
quando a hashtag rapidamente vira trend. O boato vira notícia.
Amazing! E concordo que os especialistas no âmbito governamental só se preocupam em fornecer explicação e não estão preparados para construir estratégias interventivas de previsão e controle de problemas sociais...falta conhecimento específico sobre possíveis contribuições da ciência sob diversas áreas inclusive AC.
ResponderExcluirSimples e lúcido. Convincente. Relevante. Atual. Esclarecedor. Abrangente. Um pensamento de mestre. Do Mestre Todorov.
ResponderExcluirBons ingredientes para a discussão sobre regulação.
ResponderExcluirGostei do que li; um chamado à reflexão.
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