PUBLICADA NO BOLETIM CONTEXTO:
1
– Que eventos foram relevantes para o seu interesse e sua opção pela Análise do
Comportamento?
Quando ingressei na
faculdade de Psicologia, vi, na análise do comportamento, a ciência que poderia
me ajudar a trabalhar na área esportiva que era o que me interessava. A
concepção de homem e de mundo expressas no sistema explicativo elaborado por
Skinner, parecia melhor descrever o modo como eu observava as relações humanas.
2
– Você é Bacharel em Esporte pela USP (2004) e Psicóloga pela PUC-SP (2005). A
sua dissertação de mestrado (2008) parece ter sido influenciada por suas duas
formações. Àquela época, você planejava um futuro profissional que conciliasse
Análise do Comportamento e Esporte? E atualmente?
É verdade. Na minha
dissertação, trabalhei com comportamento de observação de jogadores de handebol
de alto nível, sob orientação da Prof. Teia, no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP. Naquela época, eu
tinha planos de continuar atuando na interface do Esporte com a Psicologia.
Trabalhava já em alguns projetos sociais que utilizavam o esporte como
linguagem para promover educação não formal. Atualmente, o projeto de trabalhar
com esporte está guardado, mas vejo como uma possibilidade o trabalho com
Políticas Públicas de Esporte no futuro.
3
– Como e quando surgiu seu interesse por Práticas Culturais e Políticas
Públicas?
Foi por meio do esporte
que tive contato com um público bastante específico e destinatário de diversas
políticas sociais. Na época, trabalhava com adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa em meio aberto que
é público abarcado pelo Sistema Único de Assistência Social. Foi trabalhando
com esse público que percebi a prevalência de padrões de comportamento, de
algum modo, prejudiciais aos membros do grupo, que eram mantidos por
contingências sociais. Naquele momento, entendi o potencial do Estado para
promover intervenções em larga escala que pudessem beneficiar um grande número
de pessoas e alterar padrões comportamentais. Depois disso, revisitei meus
planos profissionais e comecei a investir no trabalho com Políticas Públicas.
4
– Como foi o percurso profissional entre seu mestrado e o cargo que você ocupa
atualmente no Ministério?
Em 2008, defendi a dissertação de mestrado. Naquela
época, já trabalhava no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Interlagos. No mesmo ano, tive a oportunidade de prestar uma
consultoria para o Governo do Estado do Acre e, logo depois, fui convidada para
colaborar com a elaboração do sistema de monitoramento e avaliação do Sistema
Socioeducativo do Estado. Mudei para Rio
Branco, onde vivi em 2010. Foi nessa oportunidade que vivi a experiência de
trabalhar com Políticas Públicas por dentro do Poder Público. Antes disso, eu
só havia trabalhado em organizações da sociedade civil que atuavam na defesa de
direitos e no controle social. Depois disso, decidi que era a partir desse
lugar que queria intervir. Em 2011, passei um tempo em São Paulo, onde prestei
algumas consultorias relacionadas à construção de Planos Municipais e atuei como
Conselheira no Conselho Regional de Psicologia. No final do ano, mudei para
Brasília, para trabalhar no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes
Ameaçados de Morte e estudar para concurso. Depois de seis meses estudando,
passei no concurso para Analista Técnico de Políticas Sociais e fui lotada no
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
5
– Quais são as atribuições do seu cargo atual? Como sua formação em Análise do
Comportamento auxilia nas suas atividades?
A carreira de
Desenvolvimento de Políticas Sociais foi criada pela Lei nº 12.094, de 19 de
novembro de 2009. Nossas atribuições estão definidas no artigo 3° dessa lei,
das quais eu destacaria, em resumo: executar atividades de assistência técnica,
aferir seus resultados, proceder à análise e avaliação dos dados obtidos em
projetos e programas e colaborar na definição de estratégias de execução das
atividades de controle e avaliação nas áreas de saúde, previdência, emprego e
renda, segurança pública, desenvolvimento urbano, segurança alimentar,
assistência social, educação, cultura, cidadania, direitos humanos e proteção à
infância, à juventude, ao portador de necessidades especiais, ao idoso e ao
indígena. Quando falamos em acesso à políticas sociais, falamos sobretudo de
comportamento humano. Para que o Estado cumpra o seu dever de ofertar serviços
e programas para a população nessas áreas, precisamos entender, primeiramente,
quais são as variáveis que controlam os comportamentos de aderir a um
tratamento de saúde, de freqüentar a escola ou de proteger os recursos naturais,
por exemplo. Esse conhecimento é imprescindível para que se possa planejar
ações eficazes e com melhor custo benefício. Atualmente, trabalho na Secretaria Executiva do Conselho
Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituído pelo Decreto 8750, de
9 de maio de 2016, que é uma instância consultiva de participação composta por
governo e sociedade civil. Sua função primordial é promover o desenvolvimento
sustentável dos povos e comunidades tradicionais, com especial atenção para a
proposição de medidas para a implementação, o acompanhamento e a avaliação de
políticas relevantes, respeitando sua autonomia, seus territórios, suas formas
de organização, seus modos de vida peculiares e seus saberes e fazeres
tradicionais e ancestrais. É nesse contexto que minha formação em Análise do
Comportamento direciona a minha atuação.
6
– O seu projeto de doutorado abarca o Programa Bolsa Família. Quais são os
objetivos do projeto? Já tem algum resultado preliminar?
No projeto de
doutorado, sob supervisão do Prof. João Cláudio Todorov, pretendo demonstrar
como é possível a atuação de um Analista do Comportamento em Políticas
Públicas. Para isso, escolhi trabalhar com o Programa Bolsa Família, um
programa de transferência de renda condicionada, instituído pela Lei 10.836, de
9 de janeiro de 2004. Assim, o objetivo principal do projeto é demonstrar a
possibilidade de formulação, implementação e avaliação de intervenção em larga
escala por meio de política pública local, baseada em princípios comportamentais.
Inicialmente, tratei de entender como está desenhado o programa e analisar
alguns de seus resultados. Observei que o comportamento de jovens de 16 e 17
anos de freqüentar a escola é selecionado pelas conseqüências do programa com
menor sucesso. Como experimento, proponho a introdução de relação condicional
complementar que envolve o estabelecimento de contrato de aprendizagem,
conforme regulamentado na Lei 10.097, de 19 de dezembro de 2000, sobre o
comportamento de ir à escola em jovens de 16 e 17 anos contemplados com o
Benefício Variável Jovem do Programa Bolsa Família. Vale lembrar que, para
estabelecer um contrato de aprendizagem, é necessário que o jovem esteja
matriculado e freqüentando a escola. É nesse sentido que entendemos que essa pode
ser uma relação condicional complementar àquela já estabelecida pelo Programa Bolsa
Família. Estamos implementando uma linha de base múltipla com intervenção em três
fases com dois municípios em cada. A idéia é verificar a possibilidade de
alteração do efeito social acumulado (taxas de abandono e evasão escolar
municipais) por meio da alteração em contingências individuais em larga escala.
Para operacionalizar a introdução da relação condicional complementar, é
necessário estabelecer uma metacontingência de apoio como padrão de articulação
municipal para garantia do direito à profissionalização e à proteção no
trabalho e do direito à educação a adolescentes. São parceiros do projeto o
Projeto Aprendizagem da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do
Estado de São Paulo, o SENAC e as respectivas prefeituras. Até agora, o projeto
foi implementado em Atibaia e Franca (primeira fase) e Batatais e Lins (segunda
fase). Estamos em plena análise de dados da primeira fase, coletando os dados
da segunda fase e iniciando a implementação da terceira fase.
7 – Você, seu orientador, Prof. Dr. João Cláudio Todorov,
e a mestranda Bruna França estão conduzindo o Projeto PORVIR. Quais os
objetivos do projeto? Como ele se relaciona com sua tese e com seu trabalho no
Ministério?
O Projeto
Porvir é exatamente a proposta que utilizamos para apresentar a pesquisa nos
municípios. Para garantir um caráter institucional, construímos um site www.projetoporvir.com.br, por meio do qual é possível promover o encontro entre o
empregador que precisa contratar e jovem que quer se candidatar às vagas. Os
empregadores podem criar um perfil da empresa, buscar currículos de candidatos
no seu município e anunciar suas vagas. Os candidatos, selecionados pela
prefeitura, podem cadastrar um perfil, montar seu currículo e se candidatar às
vagas. Uma novidade para a segunda fase da pesquisa, é que os candidatos também
podem realizar cursos online na Escola Porvir, que possuem conteúdos
específicos sobre aprendizagem, processos seletivos e outros relacionados. A
idéia é que os jovens possam se capacitar ainda mais antes de participarem dos
processos seletivos. Para promover a adesão aos cursos, há toda uma estrutura
de pontos e selos utilizados para organizar um ranking dos perfis, que
funcionam como conseqüências imediatas. Em todos os municípios, temos
trabalhado com os auditores do Ministério do Trabalho que fiscalizam se as
empresas estão cumprindo sua obrigação legal de contratação, o SENAC que oferta
os cursos de aprendizagem e a Secretaria de Assistência Social ou equivalente
que tem por competência acompanhar as famílias em descumprimento das
condicionalidades relacionadas ao Programa Bolsa Família. Depois de alguns
meses de articulação e definição das ações de todos os envolvidos, promovemos
um evento para apresentar o Projeto Porvir e o banco de currículos do município
para as empresas.
8
– Qual a relação entre o seu projeto de doutorado e seu cargo de Analista
Técnica? O plano de carreira do Ministério prevê esse tipo de qualificação
específica?
A proposta de
intervenção do Projeto Porvir é uma solução que pode ser implementada pelos
municípios como complementar ao Programa Bolsa Família. Não há qualquer custo
para os atores envolvidos, uma vez que não propomos novas atribuições, mas a
ação articulada dos órgãos daquilo que já executam de forma focalizada em um
público específico. Penso que é atribuição do Analista Técnico em Políticas
Sociais encontrar e sugerir esse tipo de solução em Políticas Públicas. Embora
eu não esteja trabalhando diretamente na área que implementa o Programa Bolsa
Família, tenho dialogado bastante sobre sua viabilidade dentro do
Ministério. A carreira ainda é nova e
não há qualquer conseqüência direta para quem tem pós-graduação, embora seja
uma das pautas da associação. No entanto, há regulamentação específica que
permite ao servidor se ausentar ou adequar seu horário para fazer o curso.
9 – Na sua opinião, que métodos de pesquisa devem ser mais
explorados por analistas do comportamento que queiram produzir conhecimento
para intervenção em práticas culturais de larga escala?
Embora os
delineamentos entre grupos sejam hoje largamente utilizados na produção de
conhecimento em Políticas Públicas, penso que devemos insistir no potencial dos
delineamentos de sujeito único característicos da pesquisa experimental em
Análise do Comportamento. A necessidade de realizar medidas repetidas, por si
só, já se apresenta como uma vantagem para averiguar a mudança do comportamento
de membros de uma comunidade ao longo do tempo. Entre os delineamentos
possíveis, gosto, particularmente, da linha de base múltipla entre comunidades
ou municípios. Por meio dele é possível ter diferentes comunidades ou
municípios em condição controle enquanto outros estão sob efeitos da variável
independente, o que nos permite avaliar se as alterações na variável dependente
são efeitos da intervenção . Além disso, no caso de políticas públicas que
pretendem garantir direitos à população, é uma vantagem não precisar realizar a
reversão para demonstrar os efeitos da intervenção. Não parece adequado
suspender uma intervenção que pode estar beneficiando uma comunidade, por
exemplo. Para o pesquisador, não precisar realizar mais de uma intervenção ao mesmo
tempo pode ser uma vantagem, uma vez que a implementação de um projeto em um
município, por exemplo, pode demandar um grande investimento de tempo.
10 – Que recomendações você daria ao jovem analista do
comportamento que pretende trabalhar com Políticas Públicas? Quais referências
bibliográficas você indica?
Minha
principal recomendação é “mostrar a cara”, ir nos lugares e conversar com os
atores que atuam na formulação, implementação e avaliação das Políticas
Públicas, seja no Executivo ou no Legislativo, e com seus beneficiários. Acho
imprescindível conhecer os meandros da política, antes de planejar qualquer
intervenção. Não há nada de tão complicado ou inacessível. Especialmente no
âmbito municipal, vejo muitas vezes os atores bastante receptivos a novas
idéias. Se o desejo for assumir um cargo como servidor público, recomendo
escolher uma carreira de analista ou gestor que permita uma atuação direcionada
às políticas sociais. Para quem está tateando a área, indico a “Coletânea de
Políticas Públicas”da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que traz
capítulos específicos sobre o ciclo de políticas públicas, os espaços de tomada
de decisão e os atores envolvidos, o livro “The Nurture Effect”, do Anthony
Biglan, que traz recomendações interessantes aos gestores públicos ao final de
cada capítulo e o livro “Finding Solutions do Social Problems” do Mark Mattaini
e Bruce Thyer com capítulos específicos sobre mudanças em padrões de
comportamento em membros de comunidades.
11 – Você acredita que em algum
momento o governo do Brasil adotará uma política baseada em evidências, nos
moldes das equipes de ciências comportamentais e sociais adotadas em outros
países?
A
elaboração de políticas baseadas em evidências é uma tendência cada vez mais
abarcada pelos órgãos do Executivo. Há, inclusive, órgão criados especialmente
para isso, como é o caso da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação no
Ministério onde trabalho. No entanto, vejo ainda muito pouco a utilização de
pesquisas científicas produzida pelas Ciências do Comportamento, como insumo. Acho
bastante possível a instituição de um espaço semelhante àqueles adotados em
outros países, no âmbito do Poder Executivo, que tenha como referência as
Ciências do Comportamento. É comum a criação de grupos interministeriais de
caráter eminentemente técnico para se debater e construir os caminhos de
determinado programa, projeto, serviço ou ação. Penso que o que nos falta é
investir na comunicação com gestores para demonstrar como isso é possível.
Recentemente, o Grupo de Estudos em Cultura e Comportamento do Programa de
Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da UnB, supervisionado pelo Prof. João
Cláudio Todorov e do qual participo, lançou o primeiro evento, de uma série a
ser produzida, que pretende instituir o diálogo entre a Análise do
Comportamento e o Gestores de Políticas Públicas. Na ocasião, debatemos
programas de transferência de renda condicionada e pagamentos por serviços
ambientais com gestores da área. Certamente, não é o único modo, mas já é uma
possibilidade para divulgar o potencial da Análise do Comportamento.
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