quinta-feira, 22 de junho de 2017

Roberta Lemos fala da sua história e atuação como analista do comportamento em Políticas Públicas

PUBLICADA NO BOLETIM CONTEXTO:

1 – Que eventos foram relevantes para o seu interesse e sua opção pela Análise do Comportamento?
Quando ingressei na faculdade de Psicologia, vi, na análise do comportamento, a ciência que poderia me ajudar a trabalhar na área esportiva que era o que me interessava. A concepção de homem e de mundo expressas no sistema explicativo elaborado por Skinner, parecia melhor descrever o modo como eu observava as relações humanas.
2 – Você é Bacharel em Esporte pela USP (2004) e Psicóloga pela PUC-SP (2005). A sua dissertação de mestrado (2008) parece ter sido influenciada por suas duas formações. Àquela época, você planejava um futuro profissional que conciliasse Análise do Comportamento e Esporte? E atualmente?
É verdade. Na minha dissertação, trabalhei com comportamento de observação de jogadores de handebol de alto nível, sob orientação da Prof. Teia, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP. Naquela época, eu tinha planos de continuar atuando na interface do Esporte com a Psicologia. Trabalhava já em alguns projetos sociais que utilizavam o esporte como linguagem para promover educação não formal. Atualmente, o projeto de trabalhar com esporte está guardado, mas vejo como uma possibilidade o trabalho com Políticas Públicas de Esporte no futuro.
3 – Como e quando surgiu seu interesse por Práticas Culturais e Políticas Públicas?
Foi por meio do esporte que tive contato com um público bastante específico e destinatário de diversas políticas sociais. Na época, trabalhava com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa  em meio aberto que é público abarcado pelo Sistema Único de Assistência Social. Foi trabalhando com esse público que percebi a prevalência de padrões de comportamento, de algum modo, prejudiciais aos membros do grupo, que eram mantidos por contingências sociais. Naquele momento, entendi o potencial do Estado para promover intervenções em larga escala que pudessem beneficiar um grande número de pessoas e alterar padrões comportamentais. Depois disso, revisitei meus planos profissionais e comecei a investir no trabalho com Políticas Públicas.
4 – Como foi o percurso profissional entre seu mestrado e o cargo que você ocupa atualmente no Ministério?
Em 2008,  defendi a dissertação de mestrado. Naquela época, já trabalhava no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos. No mesmo ano, tive a oportunidade de prestar uma consultoria para o Governo do Estado do Acre e, logo depois, fui convidada para colaborar com a elaboração do sistema de monitoramento e avaliação do Sistema Socioeducativo do Estado.  Mudei para Rio Branco, onde vivi em 2010. Foi nessa oportunidade que vivi a experiência de trabalhar com Políticas Públicas por dentro do Poder Público. Antes disso, eu só havia trabalhado em organizações da sociedade civil que atuavam na defesa de direitos e no controle social. Depois disso, decidi que era a partir desse lugar que queria intervir. Em 2011, passei um tempo em São Paulo, onde prestei algumas consultorias relacionadas à construção de Planos Municipais e atuei como Conselheira no Conselho Regional de Psicologia. No final do ano, mudei para Brasília, para trabalhar no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte e estudar para concurso. Depois de seis meses estudando, passei no concurso para Analista Técnico de Políticas Sociais e fui lotada no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
5 – Quais são as atribuições do seu cargo atual? Como sua formação em Análise do Comportamento auxilia nas suas atividades?
A carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais foi criada pela Lei nº 12.094, de 19 de novembro de 2009. Nossas atribuições estão definidas no artigo 3° dessa lei, das quais eu destacaria, em resumo: executar atividades de assistência técnica, aferir seus resultados, proceder à análise e avaliação dos dados obtidos em projetos e programas e colaborar na definição de estratégias de execução das atividades de controle e avaliação nas áreas de saúde, previdência, emprego e renda, segurança pública, desenvolvimento urbano, segurança alimentar, assistência social, educação, cultura, cidadania, direitos humanos e proteção à infância, à juventude, ao portador de necessidades especiais, ao idoso e ao indígena. Quando falamos em acesso à políticas sociais, falamos sobretudo de comportamento humano. Para que o Estado cumpra o seu dever de ofertar serviços e programas para a população nessas áreas, precisamos entender, primeiramente, quais são as variáveis que controlam os comportamentos de aderir a um tratamento de saúde, de freqüentar a escola ou de proteger os recursos naturais, por exemplo. Esse conhecimento é imprescindível para que se possa planejar ações eficazes e com melhor custo benefício. Atualmente,  trabalho na Secretaria Executiva do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituído pelo Decreto 8750, de 9 de maio de 2016, que é uma instância consultiva de participação composta por governo e sociedade civil. Sua função primordial é promover o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, com especial atenção para a proposição de medidas para a implementação, o acompanhamento e a avaliação de políticas relevantes, respeitando sua autonomia, seus territórios, suas formas de organização, seus modos de vida peculiares e seus saberes e fazeres tradicionais e ancestrais. É nesse contexto que minha formação em Análise do Comportamento direciona a minha atuação.  
6 – O seu projeto de doutorado abarca o Programa Bolsa Família. Quais são os objetivos do projeto? Já tem algum resultado preliminar?
No projeto de doutorado, sob supervisão do Prof. João Cláudio Todorov, pretendo demonstrar como é possível a atuação de um Analista do Comportamento em Políticas Públicas. Para isso, escolhi trabalhar com o Programa Bolsa Família, um programa de transferência de renda condicionada, instituído pela Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Assim, o objetivo principal do projeto é demonstrar a possibilidade de formulação, implementação e avaliação de intervenção em larga escala por meio de política pública local, baseada em princípios comportamentais. Inicialmente, tratei de entender como está desenhado o programa e analisar alguns de seus resultados. Observei que o comportamento de jovens de 16 e 17 anos de freqüentar a escola é selecionado pelas conseqüências do programa com menor sucesso. Como experimento, proponho a introdução de relação condicional complementar que envolve o estabelecimento de contrato de aprendizagem, conforme regulamentado na Lei 10.097, de 19 de dezembro de 2000, sobre o comportamento de ir à escola em jovens de 16 e 17 anos contemplados com o Benefício Variável Jovem do Programa Bolsa Família. Vale lembrar que, para estabelecer um contrato de aprendizagem, é necessário que o jovem esteja matriculado e freqüentando a escola. É nesse sentido que entendemos que essa pode ser uma relação condicional complementar àquela já estabelecida pelo Programa Bolsa Família. Estamos implementando uma linha de base múltipla com intervenção em três fases com dois municípios em cada. A idéia é verificar a possibilidade de alteração do efeito social acumulado (taxas de abandono e evasão escolar municipais) por meio da alteração em contingências individuais em larga escala. Para operacionalizar a introdução da relação condicional complementar, é necessário estabelecer uma metacontingência de apoio como padrão de articulação municipal para garantia do direito à profissionalização e à proteção no trabalho e do direito à educação a adolescentes. São parceiros do projeto o Projeto Aprendizagem da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado de São Paulo, o SENAC e as respectivas prefeituras. Até agora, o projeto foi implementado em Atibaia e Franca (primeira fase) e Batatais e Lins (segunda fase). Estamos em plena análise de dados da primeira fase, coletando os dados da segunda fase e iniciando a implementação da terceira fase.
7 – Você, seu orientador, Prof. Dr. João Cláudio Todorov, e a mestranda Bruna França estão conduzindo o Projeto PORVIR. Quais os objetivos do projeto? Como ele se relaciona com sua tese e com seu trabalho no Ministério?
O Projeto Porvir é exatamente a proposta que utilizamos para apresentar a pesquisa nos municípios. Para garantir um caráter institucional, construímos um site www.projetoporvir.com.br, por meio do qual é possível promover o encontro entre o empregador que precisa contratar e jovem que quer se candidatar às vagas. Os empregadores podem criar um perfil da empresa, buscar currículos de candidatos no seu município e anunciar suas vagas. Os candidatos, selecionados pela prefeitura, podem cadastrar um perfil, montar seu currículo e se candidatar às vagas. Uma novidade para a segunda fase da pesquisa, é que os candidatos também podem realizar cursos online na Escola Porvir, que possuem conteúdos específicos sobre aprendizagem, processos seletivos e outros relacionados. A idéia é que os jovens possam se capacitar ainda mais antes de participarem dos processos seletivos. Para promover a adesão aos cursos, há toda uma estrutura de pontos e selos utilizados para organizar um ranking dos perfis, que funcionam como conseqüências imediatas. Em todos os municípios, temos trabalhado com os auditores do Ministério do Trabalho que fiscalizam se as empresas estão cumprindo sua obrigação legal de contratação, o SENAC que oferta os cursos de aprendizagem e a Secretaria de Assistência Social ou equivalente que tem por competência acompanhar as famílias em descumprimento das condicionalidades relacionadas ao Programa Bolsa Família. Depois de alguns meses de articulação e definição das ações de todos os envolvidos, promovemos um evento para apresentar o Projeto Porvir e o banco de currículos do município para as empresas.
8 – Qual a relação entre o seu projeto de doutorado e seu cargo de Analista Técnica? O plano de carreira do Ministério prevê esse tipo de qualificação específica?
A proposta de intervenção do Projeto Porvir é uma solução que pode ser implementada pelos municípios como complementar ao Programa Bolsa Família. Não há qualquer custo para os atores envolvidos, uma vez que não propomos novas atribuições, mas a ação articulada dos órgãos daquilo que já executam de forma focalizada em um público específico. Penso que é atribuição do Analista Técnico em Políticas Sociais encontrar e sugerir esse tipo de solução em Políticas Públicas. Embora eu não esteja trabalhando diretamente na área que implementa o Programa Bolsa Família, tenho dialogado bastante sobre sua viabilidade dentro do Ministério.  A carreira ainda é nova e não há qualquer conseqüência direta para quem tem pós-graduação, embora seja uma das pautas da associação. No entanto, há regulamentação específica que permite ao servidor se ausentar ou adequar seu horário para fazer o curso.
9 – Na sua opinião, que métodos de pesquisa devem ser mais explorados por analistas do comportamento que queiram produzir conhecimento para intervenção em práticas culturais de larga escala?
Embora os delineamentos entre grupos sejam hoje largamente utilizados na produção de conhecimento em Políticas Públicas, penso que devemos insistir no potencial dos delineamentos de sujeito único característicos da pesquisa experimental em Análise do Comportamento. A necessidade de realizar medidas repetidas, por si só, já se apresenta como uma vantagem para averiguar a mudança do comportamento de membros de uma comunidade ao longo do tempo. Entre os delineamentos possíveis, gosto, particularmente, da linha de base múltipla entre comunidades ou municípios. Por meio dele é possível ter diferentes comunidades ou municípios em condição controle enquanto outros estão sob efeitos da variável independente, o que nos permite avaliar se as alterações na variável dependente são efeitos da intervenção . Além disso, no caso de políticas públicas que pretendem garantir direitos à população, é uma vantagem não precisar realizar a reversão para demonstrar os efeitos da intervenção. Não parece adequado suspender uma intervenção que pode estar beneficiando uma comunidade, por exemplo. Para o pesquisador, não precisar realizar mais de uma intervenção ao mesmo tempo pode ser uma vantagem, uma vez que a implementação de um projeto em um município, por exemplo, pode demandar um grande investimento de tempo.
10 – Que recomendações você daria ao jovem analista do comportamento que pretende trabalhar com Políticas Públicas? Quais referências bibliográficas você indica?
Minha principal recomendação é “mostrar a cara”, ir nos lugares e conversar com os atores que atuam na formulação, implementação e avaliação das Políticas Públicas, seja no Executivo ou no Legislativo, e com seus beneficiários. Acho imprescindível conhecer os meandros da política, antes de planejar qualquer intervenção. Não há nada de tão complicado ou inacessível. Especialmente no âmbito municipal, vejo muitas vezes os atores bastante receptivos a novas idéias. Se o desejo for assumir um cargo como servidor público, recomendo escolher uma carreira de analista ou gestor que permita uma atuação direcionada às políticas sociais. Para quem está tateando a área, indico a “Coletânea de Políticas Públicas”da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que traz capítulos específicos sobre o ciclo de políticas públicas, os espaços de tomada de decisão e os atores envolvidos, o livro “The Nurture Effect”, do Anthony Biglan, que traz recomendações interessantes aos gestores públicos ao final de cada capítulo e o livro “Finding Solutions do Social Problems” do Mark Mattaini e Bruce Thyer com capítulos específicos sobre mudanças em padrões de comportamento em membros de comunidades.
11 – Você acredita que em algum momento o governo do Brasil adotará uma política baseada em evidências, nos moldes das equipes de ciências comportamentais e sociais adotadas em outros países?

A elaboração de políticas baseadas em evidências é uma tendência cada vez mais abarcada pelos órgãos do Executivo. Há, inclusive, órgão criados especialmente para isso, como é o caso da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação no Ministério onde trabalho. No entanto, vejo ainda muito pouco a utilização de pesquisas científicas produzida pelas Ciências do Comportamento, como insumo. Acho bastante possível a instituição de um espaço semelhante àqueles adotados em outros países, no âmbito do Poder Executivo, que tenha como referência as Ciências do Comportamento. É comum a criação de grupos interministeriais de caráter eminentemente técnico para se debater e construir os caminhos de determinado programa, projeto, serviço ou ação. Penso que o que nos falta é investir na comunicação com gestores para demonstrar como isso é possível. Recentemente, o Grupo de Estudos em Cultura e Comportamento do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da UnB, supervisionado pelo Prof. João Cláudio Todorov e do qual participo, lançou o primeiro evento, de uma série a ser produzida, que pretende instituir o diálogo entre a Análise do Comportamento e o Gestores de Políticas Públicas. Na ocasião, debatemos programas de transferência de renda condicionada e pagamentos por serviços ambientais com gestores da área. Certamente, não é o único modo, mas já é uma possibilidade para divulgar o potencial da Análise do Comportamento. 

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