Estava
eu viajando de avião da maneira complicada, característica de quem precisa
levar a bordo concentrador portátil de oxigênio e baterias suficientes para a
duração do voo e mais 50% desse tempo, por segurança: cateter nas narinas, tubo
ligado ao aparelho embaixo da cadeira. Quando precisei me levantar para que as
outras cadeiras fossem ocupadas, algumas pessoas se ofereceram para ajudar.
Posso fazer tudo sozinho, mas os tubos e o aparelho parecem transmitir outra
imagem às pessoas.
Comentei
essa boa vontade com um senhor que ocupava a poltrona do meio. Desde que tenha
nível adequado de oxigênio para respirar sou liberado pelos médicos para viajar
sem acompanhante. Como não posso andar muito e nem carregar peso, nos
aeroportos as empresas sempre fornecem cadeiras de rodas. Comentei com meu
vizinho de viagem que com essa combinação, oxigênio + cadeira de rodas, fiz
viagem de 40 horas de Brasília a Kyoto sem andar mais que dez metros, pois no
Japão trens e hotéis também dão essa atenção a cadeirantes. Funcionários do
trem bala me levaram na cadeira até o hotel e lá me esperavam com outra
cadeira, da qual só me levantei dentro do apartamento. Meu vizinho ficou
admirado e comentou alguma coisa como “Isso nunca vai acontecer aqui”. A
educação japonesa seria obra de milênios, com práticas culturais que “nunca
veremos por aqui”, porque isso (falta de educação) está no DNA do povo
brasileiro. Aí tive que rir e dizer que estava indo a Londrina falar sobre
mudanças rápidas e em larga escala de práticas culturais; se pensasse como ele
eu deveria mudar de profissão.
Não só
não mudo como continuo a bater na mesma tecla. Questões como as que suscitam em
pessoas afirmações como essas, frequentes em artigos de opinião assinados como
os que foram publicados nos jornais “Folha de São Paulo” e “Correio
Braziliense” na última semana, são questões que se referem a práticas
culturais. São comportamentos aprendidos e passados de pais para filhos, de
geração para geração. Quanto mais
antigos em determinada cultura, mais trabalhosa a mudança.
Mas o
que nos dá a confiança em que essa mudança pode ser rápida e realmente em larga
escala é a teoria que nos define uma cultura como o conjunto de relações
condicionais entre comportamento e consequência, relações mantidas por agências
de controle. Em cada grupo, organização, etnia, etc., a aculturação de novos
membros segue regras formais ou informais aceitas pelos membros daquele grupo.
Mudanças nas regras, e nos comportamentos regulados por elas, podem ser rápidas
quando a decisão de mudar for coletiva. Por isso tentativas de mudança por
iniciativa dos dirigentes só podem ser bem-sucedidas depois de ampla divulgação
da informação e das razões para mudar. Quanto maior e mais complexo o grupo
mais trabalhosa será a intervenção, levantando a questão da relação
custo-benefício. Qualquer que seja a prática cultural, que é sempre algum tipo
de comportamento mantido por consequências, os membros do grupo encarregados da
decisão podem decidir não intervir por conta do custo da mudança. Os economistas
têm estudos sobre a relação custo-benefício da eliminação da corrupção na
sociedade. O custo da manutenção de agências de controle para garantir a
erradicação dessa prática cultural torna inviável esse esforço, levando a
propostas de diminuir a corrupção a níveis mais favoráveis à manutenção das
transações econômicas a um custo compatível com o benefício.
Talvez
por essas razões é comum ver autores colocando toda a esperança na educação das
novas gerações. Não esperam nada dos adultos. “O povo brasileiro é primário e sem percepção de um projeto nacional. A
semana modernista, nos primórdios do século 20, elegera Macunaíma, como o
mestiço esperto – no meio das mazelas nacionais -, como o herói brasileiro sem
nenhum caráter, ou seja, sem caráter em todos os sentidos. ” (Sacha Calmon, Correio Braziliense de 7 de
maio de 2017, página 13). No mesmo dia,
mesmo jornal, mesma página, o Professor Titular da Unicamp Jaime Pinsky
escreveu: “ O chamado grito do Ipiranga
não significou nada para a maioria esmagadora da população do território. Nem
para os escravos, nem para os índios, nem para a população do campo, talvez
apenas para uma parte pequena e letrada (e proprietária) de moradores de
cidades, uma parte ínfima de Brasil. ....
Para sobreviver o povão aprendeu a ser dissimulado, traço também tristemente
evidente. A população não se sente representada por seus representantes, o
poder político tem sido o melhor caminho para a corrupção, ninguém abre mão de
seus privilégios e os sonegadores apresentam tudo isso como álibi para não
contribuir para o bem comum. “
Lembrando
Roberto Campos, citado por Ives Gandra da Silva Martins na Folha de São Paulo
de 7 de maio de 2017, página A3 (“O planeta dos malandros”), “com esta mentalidade, o Brasil não corre
nenhum risco de melhorar. “ Entretanto, mudar para melhorar é possível e é
preciso. Cabe a quem sabe como mostrar o que pode fazer. “Mentalidade” é apenas
o nome popular de um conjunto de relações condicionais que isentam de punição e
recompensam “quem leva vantagem em tudo”. São regras de convivência que ficam
mais fortes toda vez que alguém impunemente fura a fila do cinema, por exemplo.
Este realmente é um fato interessante sobre o condicionamento atribuído à tradição e seus mecanismos de manutenção e construção. Nosso cérebro condicionado mecanicamente é produto da sua própria consciência acumulada.Atento-me a questão geral da mudança como sendo um processo de solução de problemas, ou seria esta busca por uma solução imediata uma fuga real do problema, uma extensão do mesmo,sem que haja a necessidade de observá-lo com cuidado. Intelectualmente queremos a solução de um problema, e o procuramos em nossa periferia condicionada, não examinamos que a resposta está inserida no próprio problema, apenas o observando. Substituímos um sistema por outro sistema fragmentado na Ânsia lógica que funcione corretamente e nele atribuímos o nome de progresso e evolução.
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