segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O mundo vai acabar.

O mundo vai acabar. Com ou sem nossa colaboração. No longo prazo não temos o que fazer, fica por conta do sol. Em algum ponto do futuro longínquo o sol vai esfriar fazendo da terra um planeta gelado. No curto prazo podemos tornar a Terra um planeta cada vez menos adequado para a sobrevivência da espécie.
O aquecimento global é visto como uma ameaça à continuidade da vida no planeta. Não sabemos ao certo até onde a ação humana contribui para esse efeito. Quanto às condições gerais relacionadas à qualidade de vida temos feito muito para piorar o habitat.
A ação humana prejudicial parece ter começado com a descoberta da agricultura. A vida sedentária teve como subproduto a poluição do ambiente pela deterioração de alimentos estocados e pelas doenças trazidas pelo contato com animais domesticados. Milênios de evolução das culturas humanas trouxeram, com o aumento em número e complexidade das interações do homem com seu ambiente, novas e mais sofisticadas maneiras de tornar a vida impossível no futuro.  
O fim do mundo, produzido ou não pelo homem, tem sido agourado desde tempos imemoriais por pensadores e observadores da vida social de seu tempo. Não deve ser preciso amedrontar as pessoas com anúncios do fim do mundo para que percebam que nossos hábitos poluem o ambiente, tornando-o muitas vezes insalubre. Analistas do comportamento têm contribuído há muito tempo para o estudo de práticas culturais deletérias, apresentando sugestões para alterações nas contingências sociais que geraram e mantêm tais práticas.
Sustentabilidade é a palavra do momento, encontrada em publicações as mais variadas, discutida em congressos e reuniões. Ao contrário de outros profetas e videntes, cientistas têm a obrigação de mostrar em que se baseiam para afirmar o que afirmam. Quanto ao aquecimento global não parece haver dúvida, está acontecendo, mas persistem incertezas quanto às causas. Ainda assim, as variáveis das quais o aquecimento global seria função merecem estudo apesar da controvérsia. A poluição do ar das grandes metrópoles diminui com o uso de etanol no lugar de chumbo como aditivo na gasolina, com o uso de diesel mais refinado em caminhões e ônibus, com aumento da oferta de transporte público de qualidade, com vigilância sobre a poluição causada por atividades industriais e comerciais, com a proibição da circulação de veículos pesados em determinados horários, etc. Esse ar poluído afeta a vida de todos os seus habitantes.
Não é necessário assustar essa população anunciando o fim do mundo pelo fogo para que as pessoas se sensibilizem para os efeitos de seu comportamento sobre o meio ambiente. A poluição do ar não é um problema sério apenas porque pode afetar as geleiras ou aumentar o buraco na camada de ozônio. Ela afeta direta e independentemente o problema mais geral da saúde das pessoas que respiram esse ar. Ameaças de tragédias que acontecerão no futuro longínquo têm muito pouca importância para as decisões que tomamos no dia a dia. A poluição do ar tem consequências imediatas para a saúde de todos.
Analistas do comportamento são especialistas em observação, análise de circunstâncias, levantamento de hipóteses explicativas sobre o papel de contingências sociais presentes, e proposição de intervenções referentes ao comportamento humano.
O modelo de seleção por consequências não garante continuidade e sobrevivência de um comportamento ou de uma prática cultural. O que existe foi selecionado no passado; o futuro é imprevisível se não for planejado. O exemplo de práticas culturais relacionadas à qualidade do meio ambiente é sugestivo. Certas práticas perduram por séculos, socialmente aceitas e até mesmo recomendadas, como a queimada de pastos na seca do Centro-Oeste brasileiro. A preocupação com o aquecimento global hoje em dia mudou a maneira como a prática é vista. Como a consequência danosa ao meio ambiente resulta da ação isolada de milhares de agricultores temos um exemplo de macrocontingência: o impacto social é resultante do somatório de ações isoladas que ocorrem na mesma época.
As contingências sociais mudam por causa desse impacto ambiental: a prática passa a ser desaconselhada. Mas o caminho que garante o futuro é longo e trabalhoso, e normalmente passa pela aprovação de novas leis e por sua aplicação por agentes do estado.

1.      Texto publicado em parte em artigos meus publicados no Behavior and Social Issues, em Perspectivas em Análise do Comportamento, e no Boletim Contexto.

2 comentários:

  1. Teremos nós, peças desconexas de macrocongências, forças para nos opor as metacongiências das grande corporações? Há algo de muito estranho com o capital, ou talvez não. E sim algo de muito simples com aqueles que o possue: o reforço imediato de seus comportamentos. Cultura, humanidade, sobrevivência do planeta? Reforços a longo prazo? O homem está morto, eis o fim do projeto do iluminismo...Somos uma ENDENGERED species.

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  2. Olá Paulo,

    Acredito que temos esse poder sim, principalmente quando conseguimos discriminar as variáveis que estão nos controlando, e uma ferramenta excelente para este tipo de treino de discriminação é a educação.

    Ainda que o mundo não esteja perfeito e tenham aparecido demandas sociais que não existiam há uns 50 ou 100 anos, estamos bem melhores em vários sentidos. A expectativa de vida de um cidadão brasileiro médio em 1900 era de 33,4, hoje é de 76,4 anos.

    O capital pode ser o algoz do consumo indiscriminado, mas também pode ser uma excelente e efetiva ferramenta de controle de práticas culturais nefastas ao ambiente pela população. Considerando que no mercado a consequência que mantém as empresas agindo da forma "x" ou "y" é sua receita, os consumidores podem escolher quais práticas industriais são selecionadas e quais são extintas. Empresas que não se adequam aos novos padrões de consumo são extintas junto com suas práticas. Isso já acontece, mas eu não acredito que seja um processo "consciente" dos consumidores.

    Pensando em consumo consciente, poderíamos criar "n" outras alternativas, como selos de certificação para as empresas que cumprem com determinadas diretrizes pró-sustentabilidade, permitindo que os consumidores optem por estas em detrimento das que não possuem o selo. Também poderiam ser criadas metacontingências concorrentes... Uma possibilidade a curto prazo seria juntar forças com algumas áreas da economia, por exemplo.

    Abraços,

    Rodrigo Oliveira

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