domingo, 3 de junho de 2018

Polícia é para quem precisa de polícia.



As agências de controle social, no sentido skinneriano do termo, controlam as relações condicionais que regulam a vida em sociedade, em grande parte por controle aversivo, por meio de ameaças (avisos da intenção de punir) e de punições de fato, como multas e/ou restrição de liberdade. Comportamentos perigosos para o equilíbrio das interações entre pessoas e entre instituições são estritamente vigiados. Uso de violência, por exemplo, é privativo do Estado, por meios bem definidos em leis. Quando uma prática cultural precisa ser mudada o aparato policial entra em cena e rapidamente todos estamos usando cinto de segurança, só fumamos em lugares permitidos, não bebemos quando vamos dirigir, etc. O Estado também diz (mas só da boca para fora) que outras práticas culturais também precisam ser mudadas, como os comportamentos que definem o racismo, mas aí a abordagem é bem mais frouxa. Entram em cena os especialistas em mudar “os corações e as mentes” dos racistas.

                Resolvi escrever depois de ler artigo no New York Times assinado por um professor de direito, P. A. Goff, sobre o dia de treinamento promovido pela rede Starbucks. Para compensar a publicidade negativa que teve quando seus empregados chamaram a polícia porque dois negros estavam sentados em uma das mesas sem ter comprado nada - foi notícia no mundo inteiro – a Starbucks reagiu com um gesto sensacional: fechou todas as suas mais de 8 mil lojas em um mesmo dia para um treinamento sobre como evitar o viés racista. A iniciativa da empresa foi muito elogiada, mas o Professor Goff chama a atenção para o fracasso dessas iniciativas quando tomadas isoladamente. No lugar de sessões de treino a Starbucks poderia ajudar com verbas a iniciativas que ofereçam opções para a solução de conflitos que não sejam a polícia. Nos Estados Unidos as pessoas telefonam para o número 911 e o atendente decide, pelo tipo de situação, se manda os bombeiros ou a polícia. O caso da loja de Philadelphia poderia ter sido resolvido por grupos de assistentes sociais treinados para mediar conflitos, como existem na California. Se você chama a polícia o caso vai ser abordado como policial.

                Gastar um dia treinando 175.000 empregados e acreditar que isso resolve o problema só tem sentido na convicção dos patrões e na crença arraigada em nossa civilização cristã ocidental de que o mal mora no coração e nas mentes dos homens. Maneiras de extrair de lá esse mal variaram de fogueiras a terapias, passando por exorcismos. Continuar por esse caminho é parecido com a situação do bêbado que procurava suas chaves aproveitando a luz do poste – sabia que não era lá que tinha perdido as chaves, mas tinha que aproveitar porque ali era possível ver o chão. Pois nós sempre achamos que educação resolve tudo, então vamos reeducar as pessoas para deixarem de ser racistas.

                Vejamos o que escreveu Philip Goff sobre isso:

“A questão não é como educar as pessoas, é como mudar as situações de maneira que o medo provocado por negros ou o desapreço por eles não provoque uma resposta agressiva. E mudar situações se consegue com políticas. Historicamente isso é que o país tem feito quando a questão da discriminação racial é levada a sério. ”
               
A mobilização política que produziu a integração racial nas escolas levou a decisão à Suprema Corte, no processo Brown vs Board of Education. E a decisão foi de que aquele comportamento era inaceitável. Não foi “Por favor, mudem sua mente”. Da mesma forma, foram mudanças na legislação, forçadas por movimentos populares, que proibiram a discriminação de gênero nas escolas, e levaram à proteção de pessoas com deficiências. A lei levada a sério muda comportamentos, propaganda não muda nem a mente.


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